Autoria: Josafá de Orós

Descrição da obra: A poesia apresenta o trato insensível dos governos com relação à pandemia.

Expressão: Literatura.

 

Solene memento pela alma dos mortos

 

E a chuva de ossos tingirá a terra

Sangrando feito pesadas e suspensas nuvens

Capulhos de chumbo como invólucro de nossas cinzas

Esferas de ferro que arrastamos

Tornozelos abocanhados, secos

Estradas vazias, poeirentas, exangues.

Aguaceiro 

Aguaceiro, tempestade, torrente

Avalanches de moer gente.

Oh! Mal de nossa artesania

Enrugadas mãos sujas

Almas sujas cravejadas de tédios

Alinhavadas de todos os presságios

Templos de todos os vícios.

Dinheiro, dinheiro

Sinfonia coxa de malditos excessos!

Indomável e mortífero bicho numismático de mil nomes.

A chuva da morte desce sem tréguas

Tal como os homens de Magritte

Engravatados e tesos 

Despencando dos céus.

As léguas. As lonjuras. Os confins.

Paisagem rabiscada na fuligem

Chaminés e seus bueiros, insensíveis estufas

Inferno de nós mesmos

Emparedando a terra

A terra resfolegando

O chiado dos pulmões cansados

O carvão das árvores.

A chuva brava

É brilhante alfinete da morte.

Vem forte, a chuva

Feito sova e sem perdão ou piedade

Invade cada cova, sete palmos escavados

Arqueologia do mal

Antes do corpo

O corpo morto.

Oh! chuva torpe

Chuva-de-rama

Insana chuvada de morte

De gases

De sais

De gritos

Chuva sobre validos e desvalidos.

Chuva ‘subchuva’ de pó

Pó dos ossos. Nossos ossos. Pó!

Farinha de branca tristeza

Branca, seca e inerte.

Oh chuva!

Vem com tua face antiga

Amiga chuva de tudo

E verte o ocre e a sépia de desperto verde

Insone verde rasgando a semente

Que a esperança vela

Com seu fraque verde-alface

Verdura de tênue sorte.

Oh, chuva! Chuva descarnada e cética

Venha sem o alfanje, sem o azinhavre (azul de mofo)

Chegue sem a cor opaca do desprezo.

Venha com as outras vestes

Com o luto em punho

E sem a cara sombria da morte…

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