Autoras:
Natália Menegassi Pedrini
Thauanna Alves Meira

Revisores:
Prof. Matheus Fernando Manzolli Ballestero
Prof. Francisco de Assis Carvalho do Vale

 

A COVID-19 é uma doença sistêmica cujos sinais e sintomas mais frequentes são febre, tosse, falta de ar e falência respiratória. Entretanto, manifestações neurológicas como cefaleia, convulsões, encefalopatias entre outras, têm se mostrado frequentes1. O mecanismo preciso de todas essas apresentações ainda é incerto, mas sabe-se que a lesão neuronal e a hipóxia estão envolvidas com alguns dos sintomas mencionados2.

A enzima conversora de angiotensina 2 (ECA2) age como receptor para a entrada do vírus na célula e está presente na membrana celular em diversos órgãos, como o pulmão, os rins, o coração e o cérebro3. A ligação do vírus a ela promove uma “tempestade de citocinas”, ou seja, uma reação inflamatória exacerbada, provocando dano vascular, alteração da coagulação, dano renal e hepático, insuficiência cardíaca e infarto do miocárdio, além de diversas manifestações neurológicas1.

No sistema nervoso central, a responsável pela defesa do tecido é a micróglia4. Sua ativação ocorre quando a manutenção da homeostase cerebral está desequilibrada. Ela pode passar por um processo crônico de exarcebações das reações inflamatórias, entrando num estado de priming, o que ocorre principalmente no envelhecimento, nas doenças neurodegenerativas e no estresse crônico4. A “tempestade de citocinas” e a estimulação prolongada desse sistema de defesa durante a COVID-19 podem ser fatores desencadeadores de priming, estado relacionado a transtornos como depressão, bipolaridade e adicções4. Concomitantemente, a “tempestade de citocinas” pode levar a uma série de pequenas lesões isquêmicas que não causam déficits neurológicos significativos, porém, após a alta, os pacientes podem apresentar perdas na memória, dificuldade de atenção e lentificação no processamento de informação1.

Há evidências ainda que o SARS-CoV-2 pode estar presente dentro das células sem apresentar manifestações agudas de toxicidade1. Neste contexto, o vírus é capaz de alterar o mecanismo de produção de energia e o empacotamento de proteínas. Esses danos celulares, se acumulados ao longo dos anos, poderiam causar um processo de degeneração neuronal em pacientes que se recuperaram da doença1.

Quando observadas outras afecções respiratórias, o aparecimento de sintomas neuropsiquiátricos relacionados a infecção viral aguda ou após um tempo variável mostram-se presentes5. Tanto o SARS-CoV-1 (2003), quanto o H1N1 (2009) e o MERS-Cov (2012) foram seguidos de consequências neurológicas diversas, a exemplo de: narcolepsia, convulsões, encefalites, síndrome de Guillain-Barré e outras5. Sequelas neurológicas foram identificadas em pacientes após 31 a 50 meses da infecção aguda por SARS-CoV-1, no qual encontrou-se evidência de estresse pós traumático (39%), depressão (36,4%), transtornos obsessivos compulsivos (15,6%) e transtornos do pânico (15,6%)3, além da possível ligação entre a infecção e o maior risco de desenvolvimento de doença de Parkinson e esclerose múltipla1.

Ademais, há os já conhecidos prejuízos advindos da permanência em unidade de terapia intensiva (UTI)6. As pontuações médias de cognição global avaliadas através do “Repeatable Battery for the Assessment of Neuroplsycological Status” mostraram resultados de pacientes com alta da UTI equivalentes aos de pessoas com doença de Alzheimer leve, podendo as perdas cognitivas persistirem por anos após6. Os componentes afetados incluem atenção, percepção espacial e memória6. Segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), 15% dos pacientes hospitalizados com COVID-19 precisam de acesso à terapia intensiva e a média de tempo de permanência é de 14 dias em contraste com os 6,5 dias de internação para os demais pacientes.

Ainda é cedo para afirmar a existência de sequelas neurológicas a longo prazo na, contudo, os conhecimentos já existentes sobre recuperação após estadia em UTI, sobre doenças causadas por agentes etiológicos semelhantes ao SARS-CoV-2 e sobre os possíveis mecanismos fisiopatológicos da COVID-19 alertam para a necessidade de acompanhamento neurológico longitudinal desses pacientes, realizando testes neuro-cognitivos e oferecendo tratamento específico1, 4, 5, 6.

Além do seguimento neurológico, mitigar os fatores de risco cardiovasculares e a ativação do priming da micróglia diminui a frequência de piores desfechos dos infectados pelo SARS-Cov2 e, consequentemente, a probabilidade de sequelas1,4. Portanto, exercício regular, dieta cardioprotetora, diminuição de níveis de estresse e manutenção de boa rotina de sono são ainda mais necessárias neste momento1.

A recuperação da fase infecciosa da doença é considerada positivamente frente ao controle de sua disseminação3. Todavia, a COVID-19 requer um olhar cuidadoso para suas possíveis consequências a longo prazo3.

Esquema dos possíveis mecanismos de sequelas neurológicas após infecção pela COVID-19.

Referências

  1. FOTUHI, Majid et al. “Neurobiology of COVID-19.” Journal of Alzheimer’s Disease 76 (2020) 3–19. DOI 10.3233/JAD-200581. 29 de maio de 2020.

 

  1. MUNHOZ, Renato Puppi et al. “Neurological complications in patients with SARS-CoV-2 infection: a systematic review.” Arquivos de Neuro-Psiquiatria 78.5 (2020): 290-300. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0004-282X20200051. 1 de maio de 2020.

 

  1. PEREIRA, Antonio. “Long-Term Neurological Threats of COVID-19: A Call to Update the Thinking About the Outcomes of the Coronavirus Pandemic.” Frontiers in Neurology11 (2020): 308. DOI: 10.3389/fneur.2020.00308. 17 de abril de 2020.

 

  1. OGIER, Michael et al. “how to detect and track chronic neurologic sequelae of covid-19? Use of auditory brainstem responses and neuroimaging for long-term patient follow-up.” Brain, behavior, & immunity – health, vol. 5 100081. DOI:10.1016/j.bbih.2020.100081. 15 de maio de 2020.

 

  1. TROYER, Emily A.; KOHN, Jordan N.; HONG ,Suzi. “Are we facing a crashing wave of neuropsychiatric sequelae of COVID-19? Neuropsychiatric symptoms and potential immunologic mechanisms.” Brain, behavior, and immunity 87 (2020) 34-39. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.bbi.2020.04.027. 10 de abril de 2020.

 

  1. SHEEHY, Lisa Mary. “Considerations for Postacute Rehabilitation for survivors of COVID-19”. JMIR Public Health Surveill. 2020 Apr-Jun; 6(2): e19462. DOI: 10.2196/19462: 10.2196/19462. 8 de maio de 2020.

 

 

Crédito da imagem: Camilo Jimenez em Unsplash

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Categoria: Neurologia

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Autor

  • Natália Menegassi Pedrini

    Graduanda do 3 ano de medicina da universidade federal de São Carlos. Tem como áreas de interesse neurologia, saúde mental e saúde coletiva. Foi organizadora do 9 comuscar. Participante das ligas de neurologia e cardiologia. Monitora do projeto de extensão ACIEPE: primeiros cuidados psicológicos e atividades da vida diária- a pandemia da COVID-19. Como aliados na saúde mental da graduação, tem interesse em atividades extracurriculares que envolvam marketing e design gráfico e foi diretora na associação atlética acadêmica Moacir Peixoto Júnior com essa área de atuação, também já trabalhou no mercado privado atrelando essas áreas à vendas. É atleta do time de handebol feminino da UFSCar, pelo qual já disputou campeonatos regionais, estaduais e nacionais.

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