COVID-19 é o nome dado a uma doença causada pelo novo vírus SARS-Cov-2 que apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. Desde o seu surgimento, tem causado mudanças drásticas nas sociedades e organizações neste início de 2020. Foi primeiramente notificada em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, e em fevereiro de 2020 já havia casos notificados em 152 países. Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde decretou pandemia da doença.
A doença tem assumido características de um desastre global, pela sua abrangência mundialmente disseminada, elevado número de vítimas fatais e pessoas afetadas de diferentes maneiras. Assim, com o objetivo de mitigar o ônus da COVID-19, o foco principal das discussões e pesquisas relacionadas está centralizado nos seus fatores epidemiológicos como transmissibilidade e taxas de letalidade. É essencial avaliar a magnitude do desafio que os sistemas de saúde e sociedades irão enfrentar bem como o real impacto das medidas de mitigação, essencialmente sobre os índices de letalidade em todas as faixas etárias e grupos populacionais.
A COVID-19 apresenta taxas de transmissibilidade muito elevadas. A transmissão pessoa-pessoa se dá por meio de gotículas respiratórias eliminadas do nariz ou boca de uma pessoa contaminada durante espirro, tosse, contato com catarro ou aperto de mão mal higienizada. Há registros de transmissão durante a realização de procedimentos nas vias aéreas como intubação orotraqueal ou aspiração e, também, por meio de contato com superfícies contaminadas como celulares, mesas, maçanetas e teclados de computador. A taxa de letalidade para este vírus é estimada, pela Organização Mundial da Saúde, entre 0,5 a 4%. Essa taxa é semelhante à da gripe espanhola (2 a 3%) e muito mais elevada que a da influenza A H1N1 (0,02%). Embora 80,9% dos casos da doença sejam leves, entre 10 e 20% podem evoluir pra casos graves que poderão utilizar os serviços hospitalares.
Fatores socioeconômicos e culturais são determinantes para a transmissibilidade da doença. O Brasil é um país de dimensões continentais, com grande variação em termos climáticos, com diferentes densidades demográficas e desigualdades sociais gritantes. Assim, o modo como a doença vai se comportar nas favelas e periferias, por exemplo, será certamente distinto de regiões mais ricas e menos povoadas. Além disso, do ponto de vista cultural, o povo brasileiro se relaciona socialmente por meio do contato físico, o que facilita a transmissão da doença.
Na literatura científica, outro fator que se mostrou determinante no comportamento da epidemia foi o índice de confiança da população nos sistemas de saúde e nas autoridades. A confiança foi crucial para o manejo e redução da transmissibilidade da doença ao influenciar as pessoas a seguirem as recomendações e ao uso consciente dos serviços de saúde. Um estudo que observou os fatores associados às taxas de mortalidade por COVID-19 em 25 países europeus, encontrou que tomar atitudes precoces e ter confiança nas instituições foram os principais fatores protetores e os países com estas características tiveram menores taxas de mortalidade. Em território nacional, nem todas as autoridades têm se manifestado no sentido de inspirar a confiança da população.
No Brasil, o crescimento exponencial do número de indivíduos contaminados, infectados e doentes por COVID-19 ameaça a capacidade dos serviços de saúde que, em breve, caso medidas de contingenciamento da transmissibilidade efetivas não forem adotadas, não poderão mais suportar a demanda, a exemplo do que aconteceu em países como Itália, Espanha, EUA, Equador entre outros. As experiências de outros países que já enfrentaram a COVID-19 apontam para a efetividade das seguintes medidas:
- Proteção de profissionais da saúde com equipamentos de proteção individual;
- Identificação de indivíduos sintomáticos, realização de testes, entrega de resultados e rápido isolamento;
- Identificação de comunicantes (pessoas que tiveram contato com pessoas infectadas) e colocá-los em quarentena.
É certo que o sucesso das medidas preventivas depende essencialmente da colaboração de governantes, cidadãos e das instituições, incentivando a responsabilidade de um na quebra da cadeia de transmissão.
Infelizmente, no Brasil, testes para detecção de COVID-19 não estão sendo disponibilizados de forma massiva, para avaliação de pessoas sintomáticas e identificação dos comunicantes, o que resulta na subnotificação do número de indivíduos contaminados, infectados e adoecidos. Projeções estimam que o número real de indivíduos acometidos por Covid-19 seja mais de dez vezes o número que vem sendo registrado.
Neste contexto adverso, medidas de saúde pública são especialmente utilizadas em resposta a uma epidemia e pretendem proteger a população pela quebra da cadeia de transmissão entre os indivíduos, como a quarentena, isolamento e distanciamento social. A quarentena é utilizada em indivíduos supostamente saudáveis, mas que possam ter estado em contato com um doente confirmadamente infeccioso. O isolamento é a medida utilizada em indivíduos doentes para que, por meio do afastamento social, não contagiem outras pessoas. Já o distanciamento social reduz a interação entre as pessoas na comunidade, para diminuir a possibilidade de pessoas infectadas, ainda não infectadas e não isoladas, transmitirem o agente infeccioso.
Além da adoção da quarentena e isolamento, recentemente o Ministério da Saúde (Boletim Epidemiológico 07), diferenciou distanciamento social ampliado (DSA) de distanciamento social seletivo (DSS):
- Distanciamento social ampliado (DSA): objetiva mitigação da epidemia para evitar o colapso dos sistemas de saúde e proteger todas as pessoas sem exceção, com fechamento de escolas e mercados públicos, cancelamento de eventos e trabalho em escritórios, estímulo ao teletrabalho, a fim de evitar circulação de pessoas. Somente serviços essenciais devem ser mantidos em funcionamento.
- Distanciamento social seletivo (DSS): apenas determinados grupos de pessoas como: idosos (acima de 60 anos), imunodeprimidos, pessoas com doenças crônicas descompensadas (diabetes, cardiopatia), condições de risco como obesidade e gestantes devem permanecer em isolamento no ambiente doméstico. Um problema é que pessoas dos grupos de risco continuam tendo contato com pessoas que podem circular livremente (abaixo de 60 anos) e têm possibilidade de se infectarem e transmitirem a infecção dentro e fora do domicílio.
No entanto, as medidas de DSA adotadas até agora no Brasil mostram que estão contribuindo para mitigação da epidemia e achatamento da curva, levando o sistema de saúde a resistir ao colapso em alguns municípios. Nesse momento, evidências mostram que não devemos substituir o distanciamento ampliado pelo seletivo. Projeta-se que uma saída precoce do DAS poderia gerar consequências gravíssimas e levar a confinamentos mais longos num futuro próximo, além da sobrecarga e colapso dos serviços de saúde.
É preciso alertar que as medidas adotadas no presente só poderão ser avaliadas quanto seu impacto no futuro e a todo momento se deve reavaliar estratégias, viabilidade e custos sociais. A questão é complexa e exige estudo cauteloso das diferentes medidas de mitigação em conjunto, uma vez que elas se relacionam e influenciam umas com as outras.
No que se refere a uma possível transição do DAS para o DSS, a OMS recomenda análise de critérios, antes de flexibilizar o distanciamento social, que envolvem: controle da transmissão na comunidade e nos serviços de saúde, sistema de saúde com capacidade de detectar, testar, isolar e tratar todas as pessoas com coronavírus e seus contatos mais próximos, medidas preventivas instaladas nos ambientes de trabalho, controle de casos importados e comunidade engajada e empoderada das medidas de prevenção.
A adoção do distância social amplo mostrou mitigar a epidemia mas instituiu mudanças no mundo do trabalho e evidenciou ainda mais o risco coletivo da precarização do trabalho e reformas neoliberais que retiraram direitos trabalhistas nos últimos anos. Também, vale ressaltar, que a proposta de distanciamento social seletivo do governo federal, não protege a vida, pelo contrário, ameaçam-na, além de não dar resposta adequada para reduzir os danos econômicos e sociais agravados pela pandemia.
Em relação à Saúde do Trabalhador, a repercussão do DSA foi diferente nas diversas categorias profissionais como a de professores, fornecedores de alimentos, entregadores (delivery), garis, profissionais de saúde, de higiene e limpeza entre outros. Algumas reduziram deslocamentos e incrementaram o teletrabalho e outros intensificaram deslocamentos (delivery e trabalhadores de saúde) e trabalho nas ruas. Na maioria das atividades, o processo de trabalho foi modificado. Até mesmo, a organização do trabalho e da vida familiar foram alterados com novas divisões, exigências, multifuncionalidades, esforços e desgastes. Neste cenário, começa a emergir a discussão acerca de processos específicos para reduzir e controlar a exposição aos diferentes riscos nos ambientes de trabalho, de acordo com as necessidades de cada categoria.
No caso dos profissionais de saúde, profissionais de higiene e limpeza, seguranças, serviços considerados essenciais e que compõem a “linha de frente” no atendimento às vítimas da COVID-19, nos complexos serviços de saúde, medidas para promoção de ambiente de trabalho saudável com vistas a qualidade de vida do trabalhador, qualidade do cuidado e segurança do paciente, passam a ser discutidas nos conselhos das categorias profissionais, governos Estaduais, assim como em outros países como Reino Unido e Estados Unidos.
A experiência dos profissionais da linha de frente impõe a necessidade de operacionalizar medidas que promovam a redução do tempo de exposição aos riscos no ambiente de trabalho, sejam biológicos, químicos, físicos, psicossociais e organizacionais. Esses profissionais devem ser amplamente testados para COVID-19 e monitorados em relação a imunidade, saúde física e mental; treinados para a remoção, reutilização e descarte de equipamento de proteção individual (EPI) em ambiente adequado; ter acesso a ambientes confortáveis para realização de pausas durante a jornada de trabalho; ter acesso a EPI em quantidade suficiente e medidas de proteção coletiva.
Em suma, não há economia que resista aos efeitos mortais desta pandemia. O que todos nós, trabalhadores ou não, precisamos realizar é a implementação do DAS, nesse momento, como regra geral e entender que o relaxamento do distanciamento social deverá ser feito somente após garantia de testagem massiva, monitoramento rigoroso dos casos e seus contatos, assistência às populações vulneráveis, combate ao trabalho precário, ao desemprego e à retirada de direitos e atenção específica às diferentes categorias profissionais, estabelecendo normas regulamentadoras de proteção à saúde e de segurança no trabalho, bem como a fiscalização do seu cumprimento, no cenário de pandemia por COVID-19.
Autores
Eduardo Pinto Silva
Vera Regina Lorenz
Juliana de Almeida Prado
Revisão de Conteúdo
Equipe Temática em Saúde do Trabalhador e Saúde Mental
Créditos da imagem: Elisa Riva no Pixabay
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Profissional em Clinicas Odontopediatria, São Paulo – SP