Profissionais da saúde de todo o mundo estão vivenciando situações complexas na atual pandemia. Dentre elas, a alta demanda do uso de ventiladores mecânicos em casos graves de COVID-19 vem trazendo dúvidas a todos que trabalham em ambientes intensivos.
Pacientes e familiares também experimentam novos dilemas ao serem apresentados a termos e práticas. Extubação paliativa, por exemplo, não era um assunto comum, mas ganhou repercussão com a disseminação do novo coronavírus.
Para conversar sobre essas questões, convidamos o fisioterapeuta e pesquisador Juliano Ferreira Arcuri, professor substituto na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e na Unimogi. Na primeira parte de sua entrevista, Arcuri explicou a importância da fisioterapia no contexto da pandemia e, a seguir, ele tira dúvidas sobre o uso de ventiladores mecânicos e a extubação paliativa.
O que é extubação paliativa? Quando esse procedimento é indicado?
Extubação paliativa é o procedimento de retirada do tubo e da ventilação mecânica em uma situação em que não há como ter certeza de que o paciente vai conseguir se manter vivo sem essa ventilação e em que os profissionais de saúde, em equipe, decidem com segurança que os aparelhos não teriam benefícios e poderiam levar ao aumento do sofrimento do paciente.
O grande problema é que é algo que acontece muito pouco frequentemente no Brasil, por desconhecimento dos profissionais e pelo pensamento errado de que tirar a ventilação mecânica mataria o paciente, quando na verdade ela só está deixando o paciente vivo por dias a mais, mas numa vida sem sentido nenhum.
Vou dar um exemplo. Imagine que você tem uma doença e os profissionais de saúde têm segurança de que você não vai se recuperar. Você teria duas opções. A primeira seria viver por aproximadamente mais uma semana, mas com ventilação mecânica, ou seja, num quarto de UTI, sem acesso a seus familiares, sem conseguir falar, comer e se mexer direito, desacordado com tantos medicamentos. A outra alternativa seria retirar essa ventilação mecânica e viver algumas horas, mas com acesso à sua família, podendo comer e falar dentro das suas limitações.
Nesse exemplo, é importante lembrar que o que está fazendo a pessoa morrer é a doença, e não a retirada do ventilador mecânico. O aparelho só está postergando a morte por alguns dias, sem que isso garanta que você vai poder usufruir desses dias.
Outro ponto importante é que, nos protocolos que eu conheço de extubação paliativa, são consultados vários profissionais, como médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, além da família e, quando possível, o próprio paciente, para que tudo seja feito às claras, com calma. Dessa forma, esse procedimento nunca é uma desculpa para retirar a ventilação mecânica de um paciente para passar para outro mais jovem ou menos doente, uma ideia que assusta neste período de pandemia, em que os ventiladores mecânicos estão tão escassos.
O senhor ressaltou que “o que está fazendo a pessoa morrer é a doença”. Nesse sentido, poderia explicar quais são as diferenças entre distanásia, ortotanásia e eutanásia?
Essa é uma pergunta que leva a uma discussão muito séria sobre ética, sistema de saúde e capacitação dos profissionais.
Distanásia é quando os profissionais de saúde usam muitos equipamentos para manter a vida da pessoa, sabendo que ela não vai se curar da doença e voltar a ter uma vida que valha a pena ser vivida. Em geral, é uma prática que acontece por desconhecimento, medo de processo dos familiares etc.
Eutanásia seria fazer algo para encurtar a vida do paciente por pena do sofrimento que ele irá passar por causa da doença. Seria, por exemplo, alguém aplicar uma medicação para o paciente morrer para que ele não passe pelo sofrimento que aquela doença causaria.
Ortotanásia é, em geral, o melhor cenário. É quando a morte acontece no momento certo, nem antes nem depois. Isso significa poder tirar tratamentos que não ajudam (algumas vezes, a ventilação mecânica), mas manter tratamentos que dão conforto e possibilitam interação com a família e com coisas que fazem a vida valer a pena. A extubação paliativa é um procedimento que promove a ortotanásia.
Por que a extubação paliativa ganhou uma dimensão tão negativa nas últimas semanas? Há uma confusão entre esse procedimento e a eutanásia?
Justamente pelo que eu mencionei. Neste período de pandemia, em que o ventilador mecânico é um recurso escasso, quando você sugere aos familiares e ao paciente remover a ventilação mecânica parece que o que você está objetivando não é o conforto do paciente, mas sim tirar o aparelho de alguém menos saudável ou importante para dar a alguém mais saudável ou importante.
Mas, se você for um paciente ou familiar que foi convidado a conversar sobre extubação paliativa, você deve lembrar que esse procedimento já era indicado pelos hospitais que dão o melhor e mais humanizado cuidado do país, mesmo antes da pandemia.
Eu entendo que para os familiares não é uma situação fácil, afinal, num tempo em que nem sempre as coisas acontecem da forma mais correta, como vou saber se a indicação para o meu familiar é adequada ou não? Então, vou sugerir alguns pontos que eu consideraria caso a retirada da ventilação mecânica fosse proposta para alguém da minha família:
- Cuidados paliativos já foram indicados antes disso? Já falaram com vocês sobre isso?
- Foi marcada uma reunião com o paciente e/ou familiares para esclarecer a situação ou vocês só foram informados, sem possibilidade de conversa?
- A equipe de saúde dava notícias sobre a piora do paciente? Caso ele tenha sido internado há pouco, os profissionais de saúde que o acompanham já falaram que a doença dele ameaça a vida?
- Quando vocês foram chamados a conversar sobre a extubação paliativa, somente um profissional de saúde estava presente ou eram pelo menos dois profissionais? O ideal é que mais de um profissional esteja presente.
- Estão te oferecendo algumas horas para pensar e tomar a decisão? Para a extubação paliativa não temos uma emergência em que a decisão precisa ser tomada na hora.
Extubação paliativa é um procedimento avançado e complexo de se tomar a decisão, mas que é correto quando bem aplicado. Converse bem com os profissionais que falaram sobre isso com você e, se tiver dúvida, procure orientação de um profissional que trabalhe com cuidados paliativos.
É difícil, num momento tão complicado de pandemia, termos que discutir um assunto como extubação paliativa, mas nós, “Brasil”, deixamos essa discussão para depois, “empurramos com a barriga”, apesar de alguns avanços. Agora estamos sendo confrontados para aprendermos. Não dá para deixar para depois. Nesse sentido, para aqueles que quiserem aprender um pouco mais, recomendo o podcast da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) sobre o tema.
Elaborado por:
Esther Angélica Luiz Ferreira
Tatiana Barbieri Bombarda
Juliana Morais Menegussi
Stefhanie Piovezan
Saiba mais sobre a Liga Acadêmica de Terapia Antálgica e Cuidados Paliativos (LATACP):
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Créditos das imagens: Chanikarn Thongsupa no Rawpixel
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