Autoria: Renata Santos.

Descrição da obra: A crônica “Tempo para amar” retrata um momento na rotina de uma mãe que passa pelo distanciamento social. Movida pela insônia, essa mãe põe-se a escrever e faz do seu texto um espaço para a reflexão sobre o seu passado, o seu presente e sobre como a escrita configura-se em refúgio e remédio para as suas angústias.

Expressão: Literatura.

 

Tempo para amar

Sábado, 15 de agosto de 2020. Deitei e não consegui dormir. As perguntas na minha cabeça me inquietaram. O que antes eu chamava de insônia, neste momento, chamo de perguntas. Estamos passando pela pandemia de COVID-19. Eu estou em distanciamento social e, como costumo dizer aos meus amigos, distanciamento social “nível hard”. Desde março. Mar-ço. É.

Levantei da cama e vim para o notebook. Não brigo mais com a insônia (ou com as perguntas?). Comecei a escrever. O liquidificador de interrogações que gira no meu pensamento só se abranda assim, quando escrevo. 

Apuro os ouvidos e, no quase silêncio, identifico a voz do Tim Maia. Uau! Obrigada, vizinho! “Me dê motivos/pra ir embora…” ele canta! E eu me pergunto: me dê motivos para ficar em casa mais dias e mais meses… Ah! Que saudade da vida como era antes! Dizem que acabou, que mudou, que agora vamos viver o tal do “novo normal”. Mas, nos últimos anos, o que mais fiz da minha vida foi mudar. Mudar tudo. E aí surge outra pergunta (eu não disse que eram várias?!): qual era o meu “antigo normal”? Até fiz uma pausa na escrita. Olhei para a tela: tenho essa resposta? Nos últimos três anos, eu fiz um mestrado, mudei de endereço mais de duas vezes, me casei e tive um filho, tudo, literalmente, ao mesmo tempo. O distanciamento social e o puerpério (aquele período imediatamente posterior ao nascimento do bebê) têm muito, mas muito mesmo em comum: a clausura, o trabalho, a ressignificação do eu, o tempo para amar.

Tempo para amar. Olho para essa frase. A crônica é mesmo um texto bastante instigante. A gente começa a escrever com base em quase nada, com base em algumas perguntas, com base na insônia, no tédio, enfim… A gente começa a escrever sem saber onde vai parar. Mas não para. A gente não para, porque a crônica nos leva no tempo. A crônica é o tempo para amar.

A voz do Tim Maia se foi. Ouço apenas um ou outro carro que passa na rua, de vez em quando. Meu filho e meu marido dormem. Começo a ficar sonolenta. Dormir sentindo o cheirinho do meu filho ao meu lado é a melhor coisa do mundo. O sono, ou talvez, o tempo transcorrido não me deixam lembrar agora, com nitidez, como era a minha vida antes da maternidade ou antes da pandemia. Mas não importa. A sonolência apressa o fim da crônica. Se o Tim Maia me pedisse motivos para continuar a ficar em casa, eu diria que me enclausuro por amor. E isso haveria de bastar. Boa noite!

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