O uso de mídias digitais por crianças, inclusive as pequenas, é um fenômeno recente. Nos tempos atuais, o primeiro contato das crianças com as mídias ocorre já nos dois primeiros anos de vida – para algumas ocorre antes mesmo dos seis meses. Soma-se a isto o fato de que o tempo de tela acaba sendo muito superior ao máximo recomendado por especialistas da área da infância e, também, de que os pais e cuidadores primários são majoritariamente aqueles que introduzem o recurso e promovem seu uso.
Diante do cenário imposto pela pandemia de COVID-19, estamos testemunhando um intenso aumento da oferta desta ocupação para as crianças, com alertas às implicações ao desenvolvimento e saúde.

Crianças menores de 6 anos e tempo de tela

A primeira infância, período que se estende até os seis anos de idade, é um período em que o cérebro e suas conexões estão em franco desenvolvimento. O uso de mídias digitais e consequente tempo de tela traz prejuízos para a criança nessa fase, sobretudo por reduzir interações com outras pessoas e por limitar a diversidade de estímulos e sentimentos a que é exposta. A tendência é que o vínculo entre ela e seus pais, familiares e cuidadores fique mais frágil, situação observada quando se descrevem problemas no desenvolvimento da linguagem, na atenção e na capacidade de lidar com limites. Para além disso, contribui com ansiedade e pode estimular a sexualização precoce, entre outras consequências negativas.

Sabemos que diante do isolamento e restrição social necessários ao controle da atual pandemia, mídias digitais têm contribuído exponencialmente com a comunicação entre familiares e também com o entretenimento da criança. Contudo, alertamos para o uso excessivo e para a maciça substituição do recurso em detrimento das interações com os jovens. Sugerimos que os responsáveis apostem na interação direta, brincando, lendo, inventando, cantando, cozinhando, fazendo atividades em conjunto e promovendo o desenvolvimento de habilidades necessárias a vida. Adultos que fazem amplo uso de celular e promovem o tempo em excesso de tela tendem a ficar insensíveis às necessidades das crianças, assim como reduzem progressivamente a quantidade e a qualidade da interação com elas.

Crianças maiores de 6 anos e tempo de tela

Para crianças maiores de seis anos e adolescentes, o tempo de tela não deve ser muito superior a duas horas por dia. Sabemos que as instituições de ensino estão utilizando o recurso enquanto estratégia de continuidade ao calendário do período letivo, porém, é de suma importância que haja intervalos de descanso e, findado o tempo escolar online, que sejam priorizadas e estimuladas atividades longe dos dispositivos eletrônicos. Esta é uma questão preocupante diante do cenário prospectado para o calendário escolar no segundo semestre de 2020. É problemática a ampliação do tempo de tela no cotidiano das crianças e dos jovens e, frente a este cenário, é interessante que os próprios responsáveis busquem conscientizá-los quanto aos efeitos causados pelo uso excessivo de mídias digitais. O quanto conhecem as possíveis consequências?

O tempo de tela possui relação direta com o tempo sedentário – aquele em que as atividades são executadas na posição sentada ou deitada e acarretam um baixo gasto energético. Ou seja, tende a causar diversos desdobramentos negativos para a saúde das crianças e dos adolescentes.

O sono, por exemplo, é afetado tanto em sua qualidade quanto em sua duração, bem como há dificuldade para adormecer. É no sono profundo que ocorrem as maiores taxas de secreção do hormônio de crescimento e nele que o descanso ocorre de fato. O contato prolongado com a luz de telas eletrônicas afeta negativamente a secreção deste hormônio e da melatonina, que se relaciona diretamente à regulação do ritmo biológico.

A permanência excessiva em frente à tela pode causar também vícios posturais e alterações osteomusculares. A tendência é a adoção de posturas inadequadas, com propensão ao desenvolvimento de problemas na coluna, dores no pescoço, ombros e costas. O espectro azul da luz, de predomínio na tela de dispositivos eletrônicos, pode provocar fototoxicidade e síndrome do olho seco ou síndrome visual do computador, com possibilidades de desdobramentos a acuidade visual.

Para além disso, esse padrão de comportamento cotidiano pode contribuir com a obesidade infantil e adolescente. Acesse o link abaixo para conhecer os apontamentos da nutricionista Gabriela Fernandes Del Vale:

A preocupação com esse assunto é antiga, porém, só em 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) assinalou com maior veemência a necessidade de atenção para esta questão, bem como articulou a redução do tempo de tela com qualidade do sono, crescimento, prevenção de problemas relacionados a saúde mental, obesidade, isolamento social e sedentarismo.

Fica a dica: visto que durante a pandemia estamos necessitando das mídias digitais, conscientize sua criança e adolescente quanto às possíveis consequências do tempo excessivo de tela e auxilie para que ela faça um uso restrito às necessidades prioritárias. Todos – pais, cuidadores, familiares, escolas, sociedade ampliada – somos responsáveis e coparticipes de uma atitude que contribua com a diminuição do tempo de tela de nossas crianças e adolescentes, inclusive em meio à pandemias. Atente-se: o seu comportamento com as telas influencia o comportamento de sua criança e adolescente.

Referências
CASTRO, T.S.; PONTE, C. Contar o tempo ou fazer com que o tempo conte? A perspectiva dos pais portugueses sobre tempo de tela. Revista Cocar. Edição Especial N.7. Set./Dez./ 2019 p. 168-182. Disponível em: https://paginas.uepa.br/seer/index.php/cocar/index/
FERRARI, G.L.; PIRES, C.; SOLÉ, D.; MATSUDO, V.; KATZMARZYK, P.T.; FISBERG, M. Factors associated with objectively measured total sedentary time and screen time in children aged 9—11 years. J Pediatr (Rio J). 2019; 95:94—105.
LIVINSGTONE, S. New ‘screen time’ rules from the American Academy of Pediatrics. In Parenting for a Digital Future. London: LSE. 2016. Disponível em: https://blogs.lse.ac.uk/parenting4digitalfuture/2016/10/21/new-screen-time-rules-fromthe-american-academy-of-pediatrics/
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital. Manual de orientação – Departamento de Adolescência. 2016. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2016/11/19166d-MOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf.

Autoria de
Monika Wernet
Deborah Carvalho Cavalcante
Patrícia Carla de Souza Della Barba
Gabriela Fernandes Del Vale
Ana Carolina de Almeida
Danielle Ferreira de Sousa

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

Veja também:

Autor

  • Monika Wernet

    Professora Associada junto ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. Estágios Pós-doutoral na Universidade de São Paulo (Faculdade de Medicina e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto) nas questões da autonomia e reconhecimento e o cuidado em saúde. Especialista em Cuidado Pré-natal pela Universidade Federal de São Paulo. Líder do grupo de pesquisa Saúde e Família, CNPq. Desenvolve pesquisa e extensão voltadas: (1) à promoção e proteção do desenvolvimento de crianças e adolescentes, com atenção à parceria saúde e escola; (2) ao suporte à parentalidade, em especial no contexto de gestação e nascimento de risco e adoecimento crônico infantil e (3) às práticas colaborativas interprofissionais na atenção à saúde.

    Ver todos os posts

Deixe um comentário