Devido às práticas públicas irresponsáveis e embasadas em pesquisas científicas não consolidadas em relação à pandemia no país, o período de quarentena já atingiu cinco meses no Brasil. Já vimos o comércio abrir e fechar mais de uma vez, banalizarem os serviços não emergenciais como não perigosos para a disseminação do vírus, além de medicamentos sem eficácia científica comprovada para a COVID-19 serem recomendados por representantes do governo.
Esses fatos compõem um dos estressores durante a quarentena levantados por um estudo da King’s College de Londres. Para os pesquisadores, um dos principais causadores de estresse na população durante o isolamento é justamente diretrizes pouco claras sobre ações a serem tomadas e confusão sobre o propósito de ficar em casa. Além disso, outros motivadores são: perda financeira, estigma em relação à doença, frustração e tédio, medo de infecção e a própria duração da quarentena.
Sintomas Neuropsiquiátricos da Quarentena
Mas, então, quais os sintomas neuropsiquiátricos que podemos sentir durante um longo período de distanciamento social? Um estudo francês afirma que o isolamento social pode interferir na estimulação sensorial que chega ao cérebro, ou seja, as informações recebidas através de nossos sentidos: olfato, visão, tato, paladar e audição. Com base em estudos em animais, concluiu-se que o isolamento social muito prolongado, especialmente para crianças e adolescentes, poderia induzir reorganizações cerebrais, especialmente nas áreas que recebem e relacionam informações sensoriais e que também são responsáveis pela elaboração das diversas estratégias comportamentais. Além disso, uma completa ausência de contato social poderia gerar dificuldades em distinguir o que é real do que não é.
Outra complicação que podemos desenvolver são os distúrbios do sono. Em quarentena, os fatores externos sincronizadores do nosso sono (luz, atividade física, dieta e interações sociais) são altamente modificados ou mesmo suprimidos, e quando há uma mudança drástica em nossas atividades e rotinas diárias (estresse induzido pela pandemia e pelas conseqüências associadas), ocorrem interrupções significativas de nossos ritmos biológicos e do nosso sono. Essa complicação se torna ainda mais perigosa quando se sabe que uma redução no tempo de descanso pode nos tornar mais vulneráveis às infecções virais.
Os transtornos de ansiedade também podem surgir neste período, ou ainda se agravarem. Estudos na China mostraram que de 1210 pessoas em quarentena respondentes à pesquisa, 29% apresentaram sintomas de moderados a severos de ansiedade. Concomitantemente a isso, os transtornos de estresse pós-traumático apresentam índices altos de incidência em profissionais da saúde, além da possibilidade de acometer as pessoas devido a eventos traumáticos dentro das unidades familiares, como casos de violência doméstica, para os quais já registrou-se aumento de 22% nos meses de quarentena no Brasil.
Riscos de depressão e suicídio também são possíveis por motivos como: dificuldades financeiras, perda de um ente querido, culpa, aborrecimento e o fato de não ser mais profissional e socialmente ativo. O risco é aumentado nos sujeitos que sofrem de transtornos mentais cujo acompanhamento é diminuído por causa do medidas de saúde, daí a importância de manter o vínculo com os pacientes: por telefone, teleconsulta ou pessoalmente em situação de emergência.
Por esse período de quarentena ser acompanhado por sintomas de ansiedade, depressão e emoções negativas, podem concorrer fatores de risco para restrição dietética (nosso esforço para comer menos do que gostaríamos) e alimentação emocional (comer compulsivamente graças a fatores emocionais). Uma maior exposição a anúncios de alimentos podem tornar nosso apetite mais intenso, gerando uma alimentação compulsiva e ganho de peso. Outras razões também podem estar relacionadas a menos atividade física e um menor contato social.
Comportamentos viciantes são outras complicações durante o período de isolamento social: o aumento de produtos psicoativos, como um remédio comum para o tédio e a solidão; uso de videogames entre crianças em idade escolar, bem como em crianças menores de 4 anos; maior acesso a pornografia; agravamento de hábitos como cigarro e álcool. Importante destacar que o tédio é determinante na transição para esses usos problemáticos.
Alguns conselhos para esse período de distanciamento
Tendo em vista a seriedade desse período, profissionais recomendam:
- Manter um ritmo de refeições e de sono;
- Manter o foco em atividades agradáveis e estratégias estimulantes ou calmantes (meditação, relaxamento);
- Evitar uso abusivo de dispositivos eletrônicos;
- Atentar-se ao padrão de consumo de álcool, cigarro e outras drogas;
- Incentivar o contato social por telefone ou vídeo.
As informações acima têm o intuito de mantê-lo(a) alerta sobre os efeitos que a quarentena pode exercer sobre nós. As dinâmicas individuais são únicas e quando passamos por um período no qual a orientação é conviver de maneira que nos é atípica, a chance de sermos afetados, e sofrermos com isso, é alta. Sendo assim, caso identifique alguma(s) das manifestações descritas, procure um dispositivos de saúde mental, tal como as linhas diretas de suporte, serviços médicos-psicológicos dedicados ou instalações psiquiátricas existentes a nível local.
Versão em Libras:
Referências
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Autores:
Abraão Golfet de Sousa
Aline Augusto de Carvalho
Karina Antonialli
Revisores de conteúdo:
Prof. Matheus Fernando Manzolli Ballestero
Prof. Francisco de Assis Carvalho do Vale
Créditos da imagem: Nandhu Kumar no Pexels
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