A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é uma rede de saúde temática, que envolve o cuidado, visando assegurar às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de drogas, o acesso a um atendimento integral e humanizado, com foco no acolhimento, acompanhamento contínuo e vinculação à rede (NÓBREGA; SILVA; SENA, 2016). Esse modo de organização e cuidado em saúde mental é fruto da atuação de movimentos sociais, como o Movimento da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, que se organizaram no processo de redemocratização brasileiro. Segundo Desviat (2018), esses movimentos colocam em debate a doença mental como algo além da técnica, como algo que afeta toda a sociedade. Segundo o autor, ao romper com a lógica do isolamento desses sujeitos em sofrimento, a RAPS se aproxima desses mesmos sujeitos dentro de um território, levando em conta toda a singularidade do contexto e do sujeito. Essa lógica considera que a comunidade é parte integrante do processo de atenção à saúde mental. Amarante e Nunes (2018) afirmam que o que estava em pauta nesse processo é o delineamento de outro lugar social para a loucura em nossa tradição cultural.

A partir dessas considerações é importante entender quais são os componentes da RAPS. Como o nome leva a concluir, não se trata de um único serviço, mas de uma rede de serviços e ações que se organizam de maneira ordenada dentro do SUS, criando possíveis caminhos para o usuário, envolvendo, segundo Desviat (2018), comunicação, apoio e acompanhamento. Desta forma, a RAPS atua desde a Atenção Primária, por meio de ações de promoção e prevenção no campo da Saúde Mental, realizadas na Unidade Básica de Saúde, no Núcleo Ampliado de Saúde da Família, no Consultório de Rua e nos Centros de Convivência e Cultura. Na atenção especializada existem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), considerando as populações específicas, como o CAPS infantil e o CAPS álcool e drogas, e a Atenção Residencial de Caráter Transitório. É importante notar, a partir de Amarante e Nunes (2018), que esses serviços são inéditos ao oferecerem cuidado intensivo à usuários com quadros psiquiátricos graves sem envolver hospitalização ou até mesmo um modelo ambulatorial frágil, que se limita a realização de consultas e à renovação de receitas ou ofertas de estratégias de cuidado pouco articuladas com os demais componentes da rede. A RAPS também é composta pela Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência, considerando as internações em leitos inseridos em Hospitais Gerais. Além disso, na Estratégia de Desinstitucionalização são propostos os Serviços Residenciais Terapêuticos. Com relação às Estratégias de Reabilitação Psicossocial, a política prioriza as ações com base na geração de trabalho e renda, por meio da economia solidária (NÓBREGA; SILVA; SENA, 2016).

Diante do que foi exposto, ficam claros os ganhos que a Reforma Psiquiátrica e a implementação da RAPS oferecem para o cuidado em saúde mental. Todo esse processo de implementação envolveu um processo regular de avaliação de hospitais psiquiátricos, com fechamento dos que eram inadequados, a criação de Serviços de Residências Terapêuticas, para receber os moradores egressos de instituições psiquiátricas. Todas essas ações tiveram como foco o fortalecimento do processo de desinstitucionalização e a garantia de direitos às pessoas que precisam de cuidado em saúde mental (NÓBREGA; SILVA; SENA, 2016; AMARANTE; NUNES, 2018).

Nesse sentido, a inovação que o modelo de saúde mental traz envolve a afirmação de que as causas das doenças não são apenas biológicas, mas também a singularidade do sujeito e de seu ambiente social. É possível, portanto, entender que sofrimento não necessariamente implica em doença e que o sujeito não se esvazia dentro dessa categoria, que é apenas uma nova esfera dentro da complexidade “pessoa” (BRASIL, 2013). Desviat (2018) afirma o início de um processo contínuo de “coabitar a diferença”, com reconhecimento da diversidade e abandono da normatização, o que então cria processos de promoção de saúde mental. Sendo assim, a RAPS
“Ancora-se na perspectiva de construir serviços diferentes, que atendam pessoas com diferentes necessidades. Está pactuada em quatro eixos: ampliação do acesso, qualificação da rede, ações intersetoriais para reinserção social, reabilitação, prevenção e redução de danos” (NÓBREGA; SILVA; SENA, p. 42, 2016).

Ou seja, a luta pelo cuidado em Saúde Mental deve ser constante, já que a Reforma Psiquiátrica é um movimento em construção, pois, fechados os manicômios, surgem outras formas de exclusão de sujeitos em sofrimento psíquico. E esse movimento deve ser feito com o objetivo de fortalecer constantemente a RAPS, para que seja cada vez mais humana e democrática e não a partir de seu aniquilamento e retorno a um modelo de atenção hospitalar que cronifica, exclui e apaga o usuário.
Texto escrito por Ana Júlia Nociti Lopes Fernandes:
Discente de psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Já foi gestão da Liga de Atenção Básica e Saúde Coletiva, MOTIRÔ, e é atual membro do projeto de extensão Saúde Mental em Ação e parte da gestão da Liga Acadêmica de Saúde Mental (LASM). Já foi bolsista FAPESP no campo de Egressos Prisionais e Trabalho e atualmente é pesquisadora de Iniciação Científica no campo da Saúde Coletiva.
Créditos da imagem: Tony Winston no Fotos Públicas
Referências:
AMARANTE, P.; NUNES, M. O. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade manicômios. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, n. 6, p. 2067-2074, 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde Mental. Cadernos de Atenção Básica, n. 34. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. 176 p.
DESVIAT, M. Coabitar a Diferença: Da Reforma Psiquiátrica à Saúde Mental Coletiva. São Paulo: Zagodoni, 1ª ed., 2018. 248 p.
NÓBREGA, M. P. S. S.; SILVA, G. B. F.; SENA, A. C. R. Funcionamento da Rede de Atenção Psicossocial-RAPS no município de São Paulo, Brasil: perspectivas para o cuidado em Saúde Mental. Investigação Qualitativa em Saúde, v. 2, p. 41 – 49, 2016.
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