Novembro Roxo 2021 – Separação Zero

– Alerta ao perigo do distanciamento dos pais de suas crianças prematuras –

Novembro é mês elencado, no cenário nacional e internacional, para reflexões sobre a prematuridade, qualificação de práticas e acolhimentos neste contexto. Em 2021, o tema é a ‘Separação Zero’, ponderação crítica frente ao afastamento e limitações impostas a pais de crianças prematuras como medidas de contenção da pandemia pela COVID-19. A intenção é dar visibilidade à importância da presença colaborativa dos pais nas Unidades Neonatais (UN), tanto para a saúde dos pais, como da criança.

No Brasil, a Portaria de número 930 de 10 de maio de 2012 preconiza o livre acesso e presença contínua de pais nas UN, independentemente de serem crianças internadas em cuidados intensivos ou intermediários (BRASIL, 2012). Essa diretriz já era incipientemente efetivada no país e, com a pandemia, isso se potencializou e afastou mais pais de suas crianças nascidas prematuras.

O nascimento prematuro de uma criança e sua ida à UN é situação difícil e complexa para os pais, com chances de gerar sentimentos de difícil elaboração além de desdobramentos nocivos à saúde mental, segundo TREYVAUD; et al., 2019 . É possível, ainda, identificar repercussão negativa no que diz respeito ao vínculo e ao cuidado da criança (MARSKI, et al., 2018). A qualidade relacional com os profissionais de saúde e a proximidade com a criança, ambos afetados pela pandemia, são apontados como contraponto para a vulnerabilidade desta situação. Desse modo, a pandemia, ao colocar ‘o risco’ como o ‘exclusivo mandante’ na cena social, inclusive da atenção materno-infantil, interpelou atores sociais com a mensagem do ‘perigo de contágio, ser contagiada(o)’ (SILVA; RUSSO; NUCCI, 2021). Como reflexo, no Brasil, testemunhamos a limitação de um acompanhante no parto/nascimento, restrições para o contato pele a pele, bem como a limitação da entrada e permanência dos pais nas UNs. Por outro lado, há indicativas de manutenção e proteção do aleitamento materno (CRUZ, ALVES, FREITAS, GAIVA, 2020). Nesse embolado de mensagens, o desmame precoce da criança prematura e/ou usuárias de unidades neonatais ao longo da pandemia foi ampliada (TACLA et al, 2020), apesar do leite materno ser o alimento padrão-ouro para a criança prematura, por ser específico em suas propriedades (DOS SANTOS et al, 2021).

Ainda, preocupações, angústias, medos e receios estiveram amplamente presentes. Gestações, partos e nascimentos ocorreram sob informações científicas limitadas. Gestantes, parturientes, puérperas, fetos e recém-nascidos trilharam o percurso da não existência de preocupações diferenciadas diante da COVID-19 para o reconhecimento de risco diferenciado (CARVALHO et al, 2021).

No Brasil, os níveis altos de prematuridade e cesarianas persistiram, mas não foram comprovados como articulados com a pandemia (CARVALHO et al, 2021). A prematuridade extrema decaiu sob a hipótese de que, com as medidas de contenção da COVID-19, houve a promoção do distanciamento social e confinamento, gerando exposição menor das mulheres a fatores associados ao parto pré-termo ou mesmo a doenças que pudessem gerar perdas fetais precoces (CARVALHO et al, 2021). Mundialmente, o desfecho da prematuridade de partos de mulheres com diagnóstico de COVID-19 esteve presente em cerca de 40% dos nascimentos (DI MASCIO et al, 2020).

Assim, a discussão acerca do resgate da ‘Separação Zero’ na atenção à saúde do recém-nascido pré-termo efetiva-se como urgente. Caso contrário, pais (mães e pais) permanecerão sem a pertença de suas crianças, receberão mais negativas de participação e informação, sob o mote de ‘existir perigo de contágio’, seja em função da pandemia, seja em função da prematuridade da criança. No não resgate da presença dos pais e da luta por mais profissionais comprometidos em acolhê-los, a saúde e o desenvolvimento das crianças prematuras, bem como de pais e mães delas, entra em perigo. A filosofia do Cuidado Centrado na Família ancora essa atitude e reconhece como intervenção de suporte e contribuição para a saúde de pais de crianças nascidas pré-termo (RODRIGUES et al, 2019).

Convidamos todos a disseminarem e lutarem pela pauta da ‘Separação Zero’, ressaltada neste ano, na direção de: (1) experiências mais positivas no contexto da prematuridade para pais, crianças e famílias, (2) redução das chances de estresse pós-traumático entre pais de prematuros, (3) pais empoderados e confiantes no cuidado de crianças nascidas pré-termo, com desdobramentos a vida, desenvolvimento e saúde delas, e (4) de olhares ampliados para ‘perigos’ inerentes a essa separação.

Monika Wernet

Deborah Carvalho Cavalcante

Universidade Federal de São Carlos

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.º 930, de 10 de maio de 1012. Define as diretrizes e objetivos para a organização da atenção integral e humanizada ao recém-nascido grave ou potencialmente grave e os critérios de classificação e habilitação de leitos de Unidade Neonatal no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) DOU. Nº 91 (dez. 2012), Seção I, p.138.

CARVALHO, B.R. et al. COVID-19: Uncertainties from Conception to Birth. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021; 43(1):54-60.

CRUZ, A.C.; ALVES, M.D.S.M.; FREITAS, B.H.B.M.; GAIVA, M.A.M. Assistência ao recém-nascido prematuro e família no contexto da COVID-19. Rev. Soc. Bras. Enferm. Ped.2020;20(spe):49-59.

DI MASCIO, D. et al. Outcomes of coronavirus spectrum infections (SARS, MERS, COVID-19) during pregnancy: a systematic review and metanalysis. Am J Obstet Gynecol MFM. 2020; 20(2): 100-107. Doi: 101016/j.ajogmf.2020.100107

DOS SANTOS, Regina Consolação et al. Aleitamento materno exclusivo em tempos de pandemia da COVID-19: revisão integrativa. Research, Society and Development, v. 10, n. 3, p. e28310313167-e28310313167, 2021.

MARSKI, B.S.L. et al. Cuidado Desenvolvimental: assistência de enfermeiros de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Rev Bras Enferm. 2018; (71):2758-66.

RODRIGUES, B. C. et al. Cuidado centrado na família e sua prática na unidade de terapia intensiva neonatal. Rev. Rene, v. 20e397, n. e39767, p. 1–8, 2019.

SILVA, F.L.; RUSSO, J.; NUCCI, M. Gravidez, parto e puerpério na pandemia: os múltiplos sentidos do risco. Horiz. Antrpol. 2021; 27(59):245-65.

TACLA, M.T. et al. Reflexões sobre o aleitamento materno em tempos de pandemia por COVID-19. Rev Soc Bras Enferm Ped. 2020;20(Especial COVID-19):60-76.

TREYVAUD, K. et al. A multilayered approach is needed in the NICU to support parents after the preterm birth of their infant. Early Human Development. 2019;139. 104838. https://doi.org/10.1016/j.earlhumdev.2019.104838

 

Autor(a)

  • Monika Wernet

    Professora Associada junto ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal de São Carlos. Estágios Pós-doutoral na Universidade de São Paulo (Faculdade de Medicina e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto) nas questões da autonomia e reconhecimento e o cuidado em saúde. Especialista em Cuidado Pré-natal pela Universidade Federal de São Paulo. Líder do grupo de pesquisa Saúde e Família, CNPq. Desenvolve pesquisa e extensão voltadas: (1) à promoção e proteção do desenvolvimento de crianças e adolescentes, com atenção à parceria saúde e escola; (2) ao suporte à parentalidade, em especial no contexto de gestação e nascimento de risco e adoecimento crônico infantil e (3) às práticas colaborativas interprofissionais na atenção à saúde.

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