Autoria: Reginaldo Pereira.
Descrição da obra: A obra trata de vulnerabilidades emocionais e psicológicas e como elas me afetaram durante minha vida, especialmente em isolamento. Mas trata, também, de novas percepções e posicionamentos que tomei durante esse período, após muitas reflexões profundas sobre a promoção de autocuidado e sua importância.
Expressão: Literatura.
Metais Preciosos
Como qualquer outra planta eu já fui apenas uma semente, miúda e frágil. Precisei ser mergulhado na terra e precisei de sua energia. Levou tempo até que eu germinasse, alguns pensavam que eu jamais sairia de lá. Levou mais tempo ainda – e força – pra que eu rompesse a barreira da pesada terra que me encobria. Quando saí, vi o sol, senti a água, criei mais e mais raízes. Presenciei tempestades, cresci devagar e perdi muitas e muitas folhas pelo caminho. O inverno me secou e quase me matou (e ele volta todo ano). Flori, mas não em todas as primaveras. Trabalhei duro pra me manter firme, mas acontece que eu já fui arrancado muitas vezes. Extraíram meus galhos e levaram pra lugares distantes, colocaram em outros vasos, cultivaram outras partes de mim que não tenho ideia de como sejam. Um dia fui arrancado diretamente do meu lugar de origem. Me puxaram forte, expuseram minhas raízes. Doeu. Doeu demais. Mas não durou muito. Na verdade, pouco depois eu estava num espaço melhor, maior, onde eu podia me aconchegar e receber mais ar, mais sol. Então outros invernos vieram, mas eu resisti quase como se não fossem nada.
Como um metal precioso eu fui tirado das minas mais escuras, escavado, lapidado. Algumas vezes, derretido, forjado. Exposto como prêmio, como objeto que pode ser comercializado.
Mas não importa quantas comparações eu faça, quantas metáforas eu use. Eu sou somente eu. Minha subjetividade é minha e somente minha.
Apesar de tudo, isso não me isola. Torna-me consciente.
Consciente de que minhas dores, meus sofrimentos e meus medos, todas as minhas angústias e inseguranças, todos os meus traumas e desamores não me tornam distinto a ponto de me emancipar. Tudo isso me torna humano, torna a todos nós humanos.
Isolar-se, criar muros, se centralizar, se culpar e se vitimar difere de voltar para si. Quando me isolo e não compartilho, quando me culpo e me martirizo, quando acho que todas as feridas que sangram na minha alma são únicas, profundas como nenhuma outra, eu estou arrancando cada vez mais minhas próprias raízes. E uma planta jogada no cimento não vai a lugar algum, ela morre.
Conhecer a si mesmo e aproximar-se de si é um caminho sutil e repleto de tênues outros caminhos e bifurcações. Quando me isolo e não compartilho, me culpo e me martirizo, eu ignoro que sou humano. Eu ignoro que tenho falhas. Eu ignoro que nem tudo depende de mim. Eu me aproximo do ego, e isto não é bom.
Viver é cuidar dos outros (e de si) com o mesmo amor, carinho e sutileza de uma planta. Todas elas precisam, em algum grau, de um cuidado básico, de condições básicas pra existir. E de condições pra existir estando BEM. Viver é cuidar de si e segurar a si como um metal precioso, raríssimo e impagável, mas lembrar também que você não é o único. É entender que o ser humano, enquanto grupo, enquanto espécie, naturalmente sofre. Naturalmente sente dor.
Portanto, não me afasto, não me martirizo, enquanto ser que sofre eu não sou único, eu sou todos. Todos somos metais preciosos, e isto basta pra viver e entender o amor.
Perfeito de mais!! Que talento