Apresentamos alguns documentos que foram elaborados nos últimos dias, com a intenção de repudiar a revogação de mais de 100 portarias referentes à Atenção Psicossocial do período de 1991 a 2014.
O Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental La Follia e o CAPS Infanto Juvenil de São Carlos produziram, em parceria, um documento intitulado Retrocesso na Política de Saúde Mental: o “revogaço” e o foco nas crianças e adolescentes.
As(os/es) docentes do LaFollia (Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental da UFSCar) também produziram um manifesto em apoio a trabalhadoras(es), usuárias(os/es), familiares, gestoras(es) e demais representantes da sociedade civil organizada na defesa do SUS e da RAPS.
Esses documentos também compõem o material produzido pela Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial.
Retrocesso na Política de Saúde Mental: o “revogaço” e o foco nas crianças e adolescentes
O ataque do Ministério da Saúde do governo Bolsonaro à Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, às vésperas do recesso parlamentar e do judiciário, sem qualquer discussão democrática nas instâncias representativas e legitimadas para tal, por meio da revogação de mais de 100 portarias referentes à Atenção Psicossocial do período de 1991 a 2014, escancara a estratégia política de mercado e de descomprometimento com uma construção histórica da Reforma Psiquiátrica Brasileira e do SUS.
Revogar as portarias atuais significa o desmonte de toda a política pública de saúde mental brasileira que foi construída e conquistada a partir de importantes movimentos sociais e da Reforma Psiquiátrica, que, com muita responsabilidade e compromisso, é referência em vários países. Assim, vemos ameaçada toda a construção de um cuidado com a saúde mental desenvolvido na comunidade onde ocorrem nossas vidas, em articulação com outros serviços da saúde, da assistência social, da educação e de outros setores, conforme nos orienta a RAPS. Sem as portarias, não teremos sustentação para todas as ações em saúde mental e, por exemplo, não teremos financiamento para os CAPS, inclusive os CAPSij. É preciso garantir o que conquistamos com tanto esforço e, claro, seguir aprimorando sempre.
Crianças e adolescentes em sofrimento psíquico devem ter garantidos os seus direitos pelo melhor cuidado em saúde mental. Cuidado esse que deve ser humanizado e realizado em base comunitária, interdisciplinar e intersetorial, ou seja, a partir de um trabalho integrado entre profissionais da saúde, educação, assistência social, justiça e outros que atuam com crianças e adolescentes em seus cotidianos. O cuidado é realizado a partir da vida real dos sujeitos.
A direção da tentativa de mudança de todas essas conquistas só deve responder aos interesses econômicos e mercenários de alguns grupos, que ignoram resultados de pesquisas científicas, experiências de trabalhadores, usuários e de gestores de serviços. É muito importante nos mobilizarmos nesta luta, pois nunca mais queremos crianças e adolescentes trancados em manicômios, como já aconteceu neste país. Basta lembrar das imagens de crianças internadas no Hospital Psiquiátrico de Barbacena, em condições sub-humanas.
O sofrimento psíquico na infância e na adolescência é complexo e não se resume a uma ou outra dificuldade e causa. Ao contrário, a complexidade do sofrimento nesse período da vida exige responsabilidade, competência, articulação e compromisso. Ressaltamos que as demandas que chegam aos serviços de saúde mental (vindas do sujeito, da família, da escola e dos serviços da rede de saúde ou da rede intersetorial) devem ser discutidas e elaboradas em conjunto pelas equipes, pelos familiares e pelos usuários. Exigem um cuidado comprometido, humano, articulado em todos os níveis de atenção em saúde (desde a Atenção Básica) e em todas as pastas públicas (como já citado anteriormente). Não basta medicar ou isolar, é necessário um trabalho em rede, denso, comprometido!
Tais retrocessos retiram da política de saúde mental justamente o seu caráter territorial, intersetorial e consoante com os direitos humanos. Em um momento que cada vez mais se evidencia o quanto o cuidado em saúde mental da criança e adolescente deve ser coletivo — envolvendo o Estado, os serviços públicos, a sociedade e o próprio usuário —, essas propostas não convergem com tal discurso. Na realidade, elas vão em outra direção.
Assim, nós, do Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental da Universidade Federal de São Carlos e do CAPSij do Município de São Carlos, repudiamos a proposta apresentada e reforçamos nossa posição na defesa da Reforma Psiquiátrica e da atenção psicossocial para crianças e adolescentes, sustentada nos direitos dessa população e na compreensão da complexidade envolvida na produção de saúde mental e do sofrimento psíquico infantojuvenil, reconhecendo os territórios e as redes enquanto cenários prioritários do cuidado.
Carta do LaFollia – Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental – DTO – UFSCar, pela Defesa da Política de Saúde Mental
As(os/es) integrantes do LaFollia – Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde Mental do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), criado em 1997, e do Grupo de Pesquisa CNPq “Terapia Ocupacional e Saúde Mental” desenvolvem pesquisas e intervenções em saúde mental de comunidades, de coletivos, de pessoas adultas e idosas, de crianças e adolescentes, além de serem responsáveis pela formação de profissionais que trabalharão no campo e, também, pela formação continuada de equipes de saúde mental, da atenção básica, de escolas, entre outros.
Todas as nossas ações estão pautadas na clareza de que o cuidado em saúde deve guardar, por princípio, a ética, o respeito, a garantia pelos direitos das pessoas, pela liberdade e, certamente, o compromisso em oferecer e ampliar o conhecimento científico, técnico e tecnológico para que o melhor cuidado em saúde seja disponibilizado para toda a população. Por esse motivo, é fundamental e urgente explicitar nosso reconhecimento de que a Luta Antimanicomial garantiu mudanças extraordinárias no que se refere ao cuidado, compreensão e investimentos em saúde mental no Brasil. Mudanças essas que são viabilizados pelas políticas públicas nacionais em saúde mental, referências em várias partes do mundo, mas que, paradoxalmente, têm sido alvo de covarde ataque e ameaças.
Assim, como indiscutivelmente evidenciado pela ciência e cotidianamente verificado em nossas ações, toda forma de cuidado em saúde mental não pode ser justificada por aprisionamentos, pela retirada das pessoas de seu convívio social, de seu território e pelo isolamento. Ao contrário, as evidências apontam para o melhor cuidado em saúde mental realizado na comunidade, nos equipamentos abertos, interdisciplinares e intersetoriais. Desse modo, temos a convicção de que, tanto para a garantia de direitos humanos quanto para o melhor e mais completo cuidado em saúde, precisamos manter e avançar no que temos desenvolvido desde a Reforma Psiquiátrica brasileira, e garantir que nenhum retrocesso seja dado em nome de interesses coorporativos e econômicos.
Dessa forma, reafirmamos nosso apoio e nos colocamos juntas(os/es) aos familiares, trabalhadoras(es), usuárias(os/es), gestoras(es) e demais representantes da sociedade civil organizada na defesa do SUS e da RAPS, pelo cuidado em liberdade e pela defesa de direitos.
Thelma Simões Matsukura
Isabela Ap. de Oliveira Lussi
Maria Fernanda Barboza Cid
Taís Quevedo Marcolino
Sabrina Helena Ferigato
Alana de Paiva N. F. Gozzi
Amanda D. S. A. Fernandes
Giovana Garcia Morato
Paula Giovana Furlan
Martha Morais Minatel
Crédito da imagem: CAPS ij
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Categoria: Saúde mental
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