O Brasil já ultrapassou a marca de 45 mil mortes associadas à COVID-19 e, a cada novo óbito, familiares e amigos têm a difícil tarefa de encontrar formas de despedida que ressignifiquem esse momento de luto, respeitando as medidas de distanciamento impostas pelo novo coronavírus.

Habitualmente, a perda de alguém configura-se como uma vivência compartilhada, acompanhada, amparada por afeto manifestado em gestos, palavras ou até por um silêncio respeitoso. Em geral, parte da dor do luto é expressa em frente ao caixão, no sepultamento ou na cremação. 

No atual contexto, porém, o sofrimento se apresenta não apenas vinculado com a morte em si, mas também está associado às restrições que abrangem visitas hospitalares e rituais fúnebres. Embora tais medidas se apresentem atreladas às razões sanitárias e epidemiológicas, elas ocasionam privações nos processos de despedida, etapa importante para a elaboração do luto. Desse modo, a pandemia tem impactado na dimensão social do luto, o que remete à privação da exteriorização das emoções e aumento do senso de desamparo.

Para minimizar esses efeitos negativos e reduzir possíveis complicações do processo de luto, é necessário adaptar as despedidas e as manifestações da dor causadas pela perda. 

Despedidas ao fim da vida: adaptações no âmbito hospitalar

A ausência ou restrição do horário de visita ao paciente, a falta de informações ou o recebimento de notícias sobre a evolução do quadro clínico, a insegurança em relação aos cuidados prestados, fragilidades na vinculação com a equipe e comunicação violenta são alguns dos fatores atrelados ao período de hospitalização que podem vir a influenciar e dificultar a vivência do luto. Para tanto:  

  • Durante o período de internação é importante garantir aos familiares (se possível, indica-se um familiar de referência para essa comunicação) o boletim de informações clínicas diariamente e a realização de visitas virtuais quando as condições forem viáveis;
  • No caso das visitas virtuais (celulares, tablets), é necessário rastrear sintomas emocionais (paciente e familiares) para oferta de suporte quando observada indicação; 
  • Na ausência de uma equipe de cuidados paliativos na instituição, a qual possui experiência em comunicar notícias difíceis, sugere-se a avaliação de uma equipe multidisciplinar com maior habilidade em comunicação para permanecer como referência na unidade específica de COVID-19. Isso irá contribuir para o familiar ter um referencial e um vínculo de confiança;
  • É importante que seja informado o agravamento do caso sempre que constatada piora clínica, com ou sem indicação de transferência para Unidade de Terapia Intensiva (UTI);
  • Destaca-se que o acesso às informações e as visitas virtuais permitem aos familiares o desenvolvimento de algum senso de controle e previsibilidade, favorecendo o luto antecipatório (que avalia-se benéfico para o processo de luto em si);
  • É indicado já no informe da notícia de agravamento, que seja sinalizado que em caso de evolução para óbito, apenas um familiar poderá comparecer ao hospital, sendo preferível que este não faça parte do grupo do risco — esta ação estimula um melhor planejamento familiar;
  • No óbito, a comunicação com a família deve envolver empatia e acionamento da rede de apoio para direcionamentos aos trâmites funerários, conforme protocolo local.

Estratégias adaptativas para os rituais fúnebres

As restrições atuais tem demandado adaptações da sociedade frente a hábitos e ritos culturalmente estabelecidos. Considerando a importância desses rituais, algumas estratégias simbólicas podem vir a minimizar esta ruptura: 

  • Organizar cerimônias virtuais, como missas e cultos, de acordo com a religião da família;
  • Criar um memorial com fotos e textos, aberto à colaboração de outros familiares e amigos;
  • Expressar os sentimentos por meio de palavras, cartas, poemas ou mensagens;
  • Criar uma caixa de memórias com fotos e objetos da pessoa que se foi. No caso da produção de cartas, mensagens e poemas em homenagem ao ente falecido, estes também podem ser inseridos nesta caixa;
  • Combinar datas e horários com familiares e amigos para gestos em memória da pessoa que se foi, como acender velas ou fazer orações;
  • Realizar atividades simbólicas de despedida, como soltar balões em ambientes adequados. Datas importantes para a pessoa que se foi podem ser momentos interessantes para a realização dessas ações.

Destacamos aqui a importância de discutir e implementar estratégias que favoreçam, de forma adaptada, possibilidades de despedida e que contribuam com a ressignificação dos aspectos simbólicos que permeiam a perda, do contrário, iremos observar o crescimento de casos de luto complicado, transtornos pós-traumáticos e quadros depressivos.

 

Referências

ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS- ANCP. Manejo do óbito e luto no contexto da COVID-19 em adultos em cuidados paliativos. Disponível em: https://paliativo.org.br/ancp/covid19/ 

BRASIL. Ministério da Saúde. Processo de Luto no contexto da COVID-19. Cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19. Fundação Oswaldo Cruz. Brasilia-DF. 2020.  

CLARK, Peter Yuichi; JOSEPH, Denah M.; HUMPHREYS, Jessi. Cultural,         Psychological, and Spiritual Dimensions of Palliative Care in Humanitarian Crises. A Field Manual for Palliative Care in Humanitarian Crises, 2019. 

METZKER, Christiana.; CESAR, Danilo.; CASTRO, Elisiana Trilha. Guia para Pessoas que Perdem um Ente Querido em Tempos de Coronavírus (COVID19). Tradução. Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais; Rede de Apoio Famílias de Vítimas COVID19; Segura a Onda. 2020.  

 

Elaborado por
Tatiana Barbieri Bombarda
Isabelle Paris Sacilot
Mariana Carolina Lima de Souza
Stefhanie Piovezan
Juliana Morais Menegussi
Esther Angélica Luiz Ferreira

 

Créditos da imagem: Mindandi no Freepik

 

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Autor

  • Tatiana Barbieri Bombarda

    Terapeuta Ocupacional formada pela Universidade do Sagrado Coração de Bauru e docente do Departamento de Terapia Ocupacional (DTO) da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Vinculada ao Laboratório de Atividade e Desenvolvimeno (LAD), desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão nas áreas de Terapia Ocupacional Hospitalar e Cuidados Paliativos. É coordenadora do projeto Coletivo Cuidados Paliativos – São Carlos e vice coordenadora do Comitê de Terapia Ocupacional da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).

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