Parte do processo de maturação de um vírus como o SARS-CoV-2 é a ação de proteases que transformam a poliproteína traduzida do RNA viral nas proteínas constituintes do vírus (RÁCZ, 2015). Estudos in vitro e ensaios clínicos mostraram que a utilização de inibidores de protease revelou desfechos favoráveis em pacientes apresentando SARS e MERS (CHAN et al., 2003; PARK et al., 2019; YAO et al., 2020), assim, tendo em vista a proximidade genética do SARS-CoV-2 com os vírus causadores dessas síndromes respiratórias, o uso de antirretrovirais inibidores de protease vem sendo estudado como possível forma de tratamento para a COVID-19 (DONG; HU; GAO, 2020).

Internacionalmente, a terapia com Lopinavir/r, constituída pela utilização do inibidor de protease Lopinavir em combinação com outro antirretroviral chamado Ritonavir — utilizado para aumentar a biodisponibilidade do Lopinavir no organismo por agir inibindo a CYP3A4, responsável pelo metabolismo oxidativo hepático do Lopinavir (FLEXNER, 2012) — chegou à conclusão, no único ensaio clínico randomizado e com controle disponível até o momento (CAO et al., 2020), que a utilização de Lopinavir/r não demonstrou mudança no prognóstico dos pacientes internados com SRAG decorrentes de infecção por SARS-CoV-2. Uma revisão sistemática da eficácia e segurança do uso de Lopinavir/r mostrou resultados inconclusivos (FORD et al., 2020).

No Brasil, pesquisadores da Fiocruz publicaram um artigo, ainda em pre-print, sobre o uso de Atazanavir — outro antirretroviral inibidor de protease — que menciona o uso desse medicamento como promissor, visto que o Atazanavir possui maior biodisponibilidade no sistema respiratório que o Lopinavir/r e maior capacidade de se ligar ao sítio ativo da major-protease do SARS-CoV-2 de forma mais espontânea e mais estável, inibindo a quebra da poliproteína e, assim, estacando a maturação dos vírus no organismo. Além disso, o Atazanavir aparenta retardar a morte celular das células infectadas e inibir a produção de citocinas pró-inflamatórias nos monócitos infectados com SARS-CoV-2, o que pode diminuir a velocidade da resposta imune no organismo infectado, protegendo os tecidos infectados de lesões decorrentes dessa resposta (FINTELMAN-ROGRIGUES et al., 2020).

 

Referências bibliográficas

 CAO, B. et al. A Trial of Lopinavir–Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe Covid-19. The new england journal of medicine, EUA, 18 mar. 2020. Disponível em: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2001282. Acesso em: 30 abr. 2020.

CHAN, K.S. et al. Treatment of severe acute respiratory syndrome with lopinavir/ritonavir: a multicentre retrospective matched cohort study. Hong Kong Medical Journal, Hong Kong, v. 9, n. 6, p. 399-406, dez. 2003.

DONG, L.; HU, S.; GAO, J. Discovering drugs to treat coronavirus disease 2019 (COVID-19). Drug Discoveries & Therapeutics, [s. l.], v. 14, ed. 1, p. 58-60, fev. 2020. Disponível em:  https://www.ddtjournal.com/files/DDT_2020Vol14No1_pp1_60.pdf. Acesso em: 30 abr. 2020.

FINTELMAN-RODRIGUES, N. et al. Atazanavir inhibits SARS-CoV-2 replication and pro-inflammatory cytokine production. BioRxiv, [s. l.], 6 abr. 2020. Disponível em: https://www.biorxiv.org/content/10.1101/2020.04.04.020925v2.article-info. Acesso em: 30 abr. 2020.

FLEXNER, C. Agentes antirretrovirais e tratamento da infecção pelo HIV. In: BRUNTON, L.L.; CHABNER, B.A.; KNOLLMANN, B.C. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. cap. 59, p. 1623-1664.

FORD, N. et al. Systematic review of the efficacy and safety of antiretroviral drugs against SARS, MERS or COVID‐19: initial assessment. Journal of the international AIDS society, [s. l.], v. 23, ed. 4, 26 mar. 2020. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/jia2.25489. Acesso em: 30 abr. 2020.

PARK, S.Y. et al. Post-exposure prophylaxis for Middle East respiratory syndrome in healthcare workers. The journal of hospital infection, Reino Unido, v. 101, ed. 1, p. 42-46, jan. 2019. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7114948/. Acesso em: 30 abr. 2020.

RÁCZ, Maria Lucia. Replicação Viral. In: TRALBUSI, L.R.; ALTERTHUM, F. Microbiologia. 6. ed. São Paulo: Atheneu, 2015. cap. 74, p. 631-42.

YAO, T. et al. A systematic review of lopinavir therapy for SARS coronavirus and MERS coronavirus—A possible reference for coronavirus disease‐19 treatment option. Journal of medical virology, v. 92, p. 556-63, 24 fev. 2020.

 

Créditos da imagem: Rawpixel no Rawpixel

Veja também:

Autor

  • João Pedro de Barros Fernandes Gaion

    Estudante do curso de graduação em medicina na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Atualmente é Coordenador Geral do Centro Acadêmico de Medicina Sérgio Arouca (CAMSA) e membro da organização das ligas de Hematologia (LHEU) e de Neurologia e Neurocirurgia (LINEU) da UFSCar. Foi organizador da liga de Química Medicinal e Farmacologia (LiQMF) e Coordenador Sociocultural do CAMSA.

    View all posts

Deixe um comentário