Por Sidnay Fernandes dos Santos Silva e Terezinha Ferreira de Almeida

 

Quando o vírus SARS-CoV-2 surgiu no planeta, encontrou a humanidade desprevenida para contê-lo. Na ausência de medicamentos e vacinas, a população recorreu às medidas de proteção para enfrentar a pandemia da COVID-19: diminuir a transmissão do vírus, achatar a curva, evitar a superlotação em leitos de UTI, reduzir o número de mortes.

Dentre as medidas protetivas que, de alguma forma, impuseram novos modos de (con)viver, denominados de novo normal, estão aquelas alicerçadas em estudos científicos da área da Saúde, determinadas por pesquisadores e profissionais, como o isolamento e a quarentena, e aquelas que se concretizam por meio de decisões políticas impostas por autoridades para tentar conter o espalhamento do novo coronavírus, como o distanciamento social, o lockdown e o toque de recolher.

As decisões sobre quais dessas medidas que devem ser implementadas são pautadas, em geral, por orientações emitidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), conforme o Regulamento Sanitário Internacional e os estudos atuais do avanço (ou controle) da pandemia.

No início do surto na China, mais especificamente em janeiro de 2020, quando a formação epidêmica foi notificada à OMS, protocolos para diagnóstico, tratamento e redução da intensidade da epidemia começaram a ser elaborados. Dentre as medidas prioritárias, esteve o isolamento de Wuhan e municípios vizinhos com restrições impostas ao deslocamento em viagens de seus habitantes. O termo “isolar”, nesse contexto, é associado ao fato de impedir que indivíduos infectados transitem pelo restante do território chinês.  “Isolar”, na condição de verbo transitivo direto, tem como complemento uma região geográfica ou ainda um indivíduo infectado com o vírus: “isolar Wuhan”, por exemplo.

Com a propagação do vírus pelo globo terrestre e o decreto de estado de pandemia pela OMS em março de 2020, os sentidos de “isolar” se ampliaram. O termo nominalizado, “isolamento”, ganhou como acréscimo o adjetivo “social”, e passou a ter grande circulação.

O verbo “isolar” (e suas derivações “isolamento” e “isolado”), em um de seus sentidos dicionarizados, significa: “separar uma coisa dos objetos vizinhos”; “por alguém afastado dos outros homens/isolar um doente contagioso”[1] . Já a expressão isolamento social provém do campo da Psicologia e, até a pandemia da COVID-19, era mais utilizada no âmbito dessa área por se referir a “um comportamento no qual o indivíduo deixa de participar de atividades sociais em grupo como trabalho e entretenimento”[2], principalmente quando acometido por algum transtorno de ordem psicológica.

No contexto da pandemia da COVID-19, porém, a expressão isolamento social, dotada de uma carga semântica tão  negativa – por se referir a um comportamento que, se for exacerbado, exige muita atenção e tratamento –, adquiriu certos sentidos considerados positivos ao passar a ser utilizada para referir uma medida de prevenção e de possibilidade de contenção da pandemia, representando comportamentos que devem ser valorizados e adotados pela população.

Com seu uso contínuo e cotidiano durante essa crise sanitária, no entanto, os sentidos positivos de isolamento social foram sendo relativizados visto que, mesmo beneficiando a saúde coletiva por meio da contenção da COVID-19, a saúde mental de muitas pessoas se viu afetada, em especial naquelas que compõem grupos de risco ou pessoas idosas[3], geralmente menos acostumadas com ferramentas tecnológicas que permitem amenizar o impacto da falta de contato social.

A incidência de patologias resultantes da ausência de interação social durante a pandemia tem sido objeto de estudo de muitas pesquisas[4]. Um artigo publicado em agosto de 2020 no InformaSUS explica os possíveis efeitos neuropsiquiátricos causados por tais medidas protetivas. Segundo a publicação, um estudo realizado na França constatou que o isolamento social muito prolongado poderia induzir reorganizações cerebrais, pois “uma completa ausência de contato social poderia gerar dificuldades em distinguir o que é real do que não é”[5]. Dentre os distúrbios apontados estão os do sono, os transtornos de ansiedade e os riscos de depressão e suicídio. O estudo ainda sugere que pode haver ocorrência de fatores de risco para restrição dietética e alimentação emocional, como comportamentos viciantes.

Talvez como tentativa de interditar, minimizar ou alterar os sentidos negativos da expressão isolamento social, o adjetivo “físico” passou a ser utilizado para acompanhar tanto o termo “isolamento” quanto “distanciamento”, a partir da compreensão de que o adjetivo “social” significa “sociável”, que prefere estar na companhia de outras pessoas e, ademais, provém da palavra “sociedade”, cujo significado está diretamente vinculado a um agrupamento de indivíduos que estabelecem relações de proximidade entre si. Por outra parte, “físico” sugere que, mesmo diante da impossibilidade de interação presencial, é possível estabelecer e preservar a interação entre as pessoas usando, por exemplo, os meios tecnológicos disponíveis.

A preferência pelo adjetivo “físico” no lugar de “social” é encontrada em vários textos informativos, ainda que, conforme pesquisas no Google, haja uma prevalência do “social”. Há também ocorrências nas quais as expressões isolamento social ou distanciamento social são empregadas como sinônimas de isolamento ou distanciamento físico, embora também se encontrem reflexões que apontam significativa diferença entre os dois termos.

No Brasil, porém, os substantivos “isolamento” e “distanciamento” também têm sido utilizados em muitos espaços discursivos indistintamente, ou seja, como sinônimos. O mesmo ocorre com isolamento social e isolamento físico. Há muitos textos publicados recentemente no Brasil que tratam das diferenças semânticas entre isolamento social, distanciamento social e quarentena[6], principalmente, mas o fato é que não há como controlar os sentidos e sua circulação e, por isso mesmo, no cotidiano e até mesmo em textos jornalísticos, nestes tempos de pandemia, os sujeitos empregam um ou outro sem muita consciência das razões de seu uso.

Ocorre que a língua é fluida, a língua é movimento, as palavras voam. E, em tempos totalmente atípicos como esses marcados pela pandemia da COVID-19, quando se ouve falar sobre doença e saúde, um léxico totalmente novo começa a circular nos noticiários e as pessoas significam os fatos, significam os problemas, significam as soluções; nesse movimento de circulação dos sentidos, também não se consegue isolar/distanciar/quarentenar essas diferentes formas de significar.

 

Notas

[1] KOOGAN,A.&HOUAISS, A. Enciclopédia  e dicionário ilustrado. 3 ed. Rio de Janeiro: Seifer, 1998.

[2]  https://pt.wikipedia.org/wiki/Isolamento_social. Acesso: 26   ago 2020.

[3]   https://informasus.ufscar.br/como-auxiliar-pessoas-idosas-a-lidarem-com-o-cotidiano-e-a-saude-mental-durante-a-pandemia/

[4]https://agencia.fapesp.br/estudo-vai-monitorar-impacto-da-pandemia-e-do-isolamento-social-na-saude-mental-de-4-mil-pessoas/33566/#:~:text=07%20de%20julho%20de%202020&text=Maria%20Fernanda%20Ziegler%20%7C%20Ag%C3%AAncia%20FAPESP,do%20Estado%20de%20S%C3%A3o%20Paulo; https://agencia.fapesp.br/pesquisa-faz-analise-do-impacto-do-distanciamento-social-em-criancas-e-adolescentes-com deficiencia/33541/#:~:text=Ag%C3%AAncia%20FAPESP%20%E2%80%93%20Uma%20pesquisa%20de,anos%2C%20com%20defici%C3%AAncia%20motora%20ou

[5] https://informasus.ufscar.br/os-possiveis-efeitos-neuropsiquiatricos-da-quarentena/

[6] Alguns exemplos, disponíveis em:

i) https://pfarma.com.br/coronavirus/5555-lockdown-quarentena-isolamento.html;

ii) https://www.folhavitoria.com.br/saude/noticia/05/2020/entenda-a-diferenca-entre-isolamento-quarentena-e-distanciamento-social;

iii) https://portal.unit.br/blog/noticias/quarentena-x-isolamento-social-entenda-a-diferenca.

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

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Autor

  • Fernanda Castelano Rodrigues

    Dados da editora: professora do Departamento de Letras da UFSCar desde 2008. Mãe, feminista, defensora dos Direitos Humanos, tem mestrado (2003) e doutorado (2010) em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela Universidade de São Paulo. Tem também especialização em Políticas para a Promoção da Igualdade na América Latina pela FLACSO/CLACSO (2018) e pós-doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp. Participou da coordenação dos Módulos de Língua Portuguesa do Programa Mais Médicos para o Brasil (2013-2014). Foi diretora do Instituto de Línguas da UFSCar (2016-2017). Pesquisa no campo das Políticas Linguísticas, com especial interesse pelos Direitos Linguísticos de comunidades marginalizadas.

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