A violência doméstica sempre existiu, mas com o surgimento da Covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus – e a pandemia por ela causada muitas mulheres passaram a ficar em casa em tempo integral, mesmo aquelas que, antes, trabalhavam fora de suas residências.

O  distanciamento social imposto pela pandemia causou um estresse descomunal nas pessoas, intensificando ainda mais comportamentos agressivos. A violência doméstica e familiar é a principal causa de feminicídio no Brasil e no mundo, sendo um grande problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos da mulher.

Em todo o mundo, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual. Até 38% dos assassinatos de mulheres ocorrem pelas mãos de um parceiro. Além disso, estima-se que um bilhão de crianças entre dois e 17 anos de idade sofreram algum tipo de violência doméstica (física, emocional ou sexual) em 2019. 

Os movimentos em defesa das mulheres estão em evidente ascensão. É importante entendermos que tal movimento não é recente.

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Empoderamento feminino

Foi a partir do final do século XIX que o movimento feminista vivenciou picos de efervescência, motivados pelos movimentos das sufragistas, engajadas na luta sobre os direitos femininos (principalmente o direito ao voto). Posteriormente, no final do século XX e início do século XXI, ganharam força as reivindicações pela diminuição da violência e pelo domínio da mulher sobre o próprio corpo, com estudos específicos direcionados a elas (MATIAS, 2018).  

Os movimentos feministas são referidos no plural por se adequarem às diferentes realidades existentes e que levam em consideração as distintas situações econômicas, políticas e sociais. Entretanto, possuem um objetivo comum: ajudar mulheres a se oporem às várias formas de preconceitos e violências a que são submetidas. Estes movimentos garantem o direito à igualdade política e social, lutando para transformar as relações de poder existentes nas esferas públicas e privadas. Eles também agem nos âmbitos individual e coletivo, criando uma rede de conexão entre as mulheres, as quais têm empatia ou sofrem do mesmo problema (MATIAS, 2018).

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Junto dos movimentos feministas veio o empoderamento, almejando conceder autonomia às mulheres nas atividades sociais e da economia, de forma a promover a equidade de gênero. “O empoderamento das mulheres implica, para nós, na libertação das mulheres das amarras da opressão de gênero, da opressão patriarcal” (SARDENBERG, 2006, p. 2 apud MATIAS, 2018, p. 20). 

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Questão de gênero

Vivemos numa sociedade patriarcal que expõe mulheres a preconceitos e violências diárias. O machismo ainda se sobressai como uma forma de “dominação natural”, contribuindo para que estas situações desrespeitosas e desumanas continuem a acontecer (MATIAS, 2018). Recentemente, o tema “empoderamento feminino” ganhou força e tem sido uma ferramenta importante no processo de ruptura dos ciclos de violência contra a mulher.

A construção histórica-ideológica da superioridade do homem em relação à mulher nos fornece dados para o entendimento do aspecto evolutivo desta relação. Segundo Morais e Rodrigues (2018), essa dominação ocorre há pelo menos 2.500 anos. 

O conceito de gênero nos ajuda a entender melhor as influências e os papéis que homens e mulheres ocupam. O gênero é o sexo socialmente modelado, ou seja, aquilo que foi ensinado desde o nascimento e tido como verdade pela sua repetição histórica e cultural. As relações desiguais entre os gêneros são refletidas no trabalho, em casa e na sociedade em geral (LIRA; BARROS, 2015). Ao passo que ocupamos espaços antes preenchidos por homens e ameaçamos sua masculinidade, ocorrem reações adversas, tal como (e principalmente) a violência contra a mulher. Os homens agem de forma a controlá-las, educá-las e mostrá-las o seu “devido lugar” (CORTEZ; SOUZA, 2008).

Assim, o empoderamento da mulher se torna uma ferramenta para ampliar as lutas pela autonomia. Na perspectiva de León (2001 apud CORTEZ; SOUZA, 2008, p. 172), o conceito abarca duas dimensões: uma coletiva e outra individual. A coletiva implica no reconhecimento das restrições vividas pelas mulheres e da necessidade de reversão desta situação por meio de mudanças na sociedade (inserção em cargos de liderança, educação não sexista, serviços de saúde adequados), incluídos os contextos individuais (aumento da autoestima e da autonomia, reorganização do trabalho doméstico a fim de dividir as responsabilidades etc.). 

Desta forma, compreende-se que a violência contra a mulher é fruto das desigualdades entre os homens e mulheres, e o combate a essas desigualdades requer mudanças nas relações de poder, a fim de alcançar a igualdade. O empoderamento para as mulheres pode significar, então, a possibilidade de ganho de poder, trazendo habilidades de agir e de criar mudanças dentro de si, alterando as formas de se relacionar com as pessoas e a sociedade, de forma a romper com as situações de violência. 

 

Referências

CORTEZ, M. B.; SOUZA, L. Mulheres (in)subordinadas: o empoderamento feminino e suas repercussões nas ocorrências de violência conjugal. Psic.: Teor. e Pesq.,  Brasília ,  v. 24, n. 2, p. 171-180,  jun. 2008.   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722008000200006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 04 nov. 2020.

LIRA, K. F. S.; DE BARROS, A. M. Violência contra as mulheres e o patriarcado: um estudo sobre o sertão de Pernambuco. Revista Ágora, [S. l.], n. 22, p. 275-297, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufes.br/agora/article/view/13622. Acesso em: 04 nov. 2020.

MORAIS, M. O; RODRIGUES, T. F. Empoderamento feminino como rompimento do ciclo de violência doméstica. Revista de Ciências Humanas, v. 15, n. 1, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/RCH/article/view/1771. Acesso em: 04 nov. 2020.

MATIAS, W. R. M. Feminismo e empoderamento da mulher na sociedade brasileira. Revista Cadernos de Clio, Universidade Federal do Paraná, v. 8, n. 1, p. 11-29, nov. 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/clio.v8i1.53648. Acesso em: 15 dez. 2020.

 

Autoria de
Júlia Caltabiano Porto 

Revisão de conteúdo por
Larissa Campagna Martini

Participação dos grupos 

PET-Saúde/Interprofissionalidade – São Carlos – UFSCar

Ana Beatriz de Moura
Cristina Helena Bruno
Jair Borges Barbosa Neto
Liliane Tiemy Yanaguizawa Pacca

Grupo Temático Diversidade e Cidadania

Amanda Lélis Angotti Azevedo
Andressa Soares Junqueira
Beatriz Barea Carvalho
Camila Felix Rossi
Carla Regina Silva
Carolina Serrati Moreno
Flávio Adriano Borges
Glieb Slywitch Filho
Jhonatan Vinicius de Sousa Dutra
Natália Pressuto Pennachioni
Natália Stofel
Uma Reis Sorrequia

Créditos da imagem: Way Home Studio no Freepik

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Autor

  • Larissa Campagna Martini

    Professora do Departamento de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Clínica, ambos da Universidade Federal de São Carlos. Formada em Terapia Ocupacional, com Doutorado em Psiquiatria e Psicologia Médica pela UNIFESP. Áreas de atuação: Saúde Mental, Trabalho e Saúde, Inclusão no Trabalho e Atenção Básica.

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