21 de setembro: Dia Mundial do Alzheimer
No dia 21 de setembro de 1994, em Edimburgo, capital da Escócia, foi aberta a 10ª conferência anual da Alzheimer’s Disease International, momento no qual se lançou a campanha do Dia Mundial do Alzheimer. A conferência foi presidida pela princesa Yasmin Aga Khan, filha da atriz Rita Hayworth — diagnosticada com Alzheimer no início da década de 80, faleceu em decorrência da doença em 1987.
A campanha foi criada por meio da assinatura de um documento em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), com participação do médico brasileiro José Manuel Bertolone, funcionário da OMS à época. A campanha, então, originou-se como forma de conscientizar e informar os líderes, políticos e a população do mundo todo sobre a Doença de Alzheimer. O documento incentivava a criação, em nível global, de organizações locais de apoio a doentes e seus familiares. Atualmente, existem inúmeras instituições de Alzheimer pelo mundo. No Brasil, temos a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz).
Epidemiologia
De acordo com a OMS, estima-se que existam 35,6 milhões de pessoas com Doença de Alzheimer (DA) no mundo, sendo que o número tende a dobrar até o ano de 2030 e triplicar até 2050. No Brasil, a possibilidade é de que existam cerca de 1,2 milhões de pessoas com DA. Ressalta-se que a maior parte das pessoas com a doença ainda não recebeu o diagnóstico médico e o tratamento necessário.
A DA é a causa mais comum de demência, responsável por 70% de todos os casos no mundo. Pode-se caracterizar demência como um estado persistente de deterioração cognitiva, incluindo perda de memória, dificuldade de comunicação e de compreensão, diminuição da capacidade de atenção; de deterioração funcional, incluindo problemas de coordenação e de percepção visual; e de deterioração emocional, incluindo sintomas depressivos, ansiosos, delírios, alucinações e agressividade (APOSTOLOVA et al., 2012).
Por ser uma doença relacionada com a idade, o impacto da DA tende aumentar com o envelhecimento populacional. O gasto total com demências no mundo, de acordo com a OMS, é estimado em 818 bilhões de dólares, equivalente a 1.1% do PIB mundial. Essa cifra, por sua vez, tende a aumentar a cada ano, juntamente com o aumento da população idosa.
Entre os impactos financeiros da DA, destacam-se os gastos com cuidadores, a diminuição da carga horária de trabalho assalariado em função dos cuidados para com o doente e a internação em instituições especializadas; no Brasil, os cuidados com idosos com síndromes demenciais tendem a comprometer cerca de 66% da renda familiar, podendo chegar a 80% quando a demência se associa a outra doença crônica (VERAS et al., 2007).
Aspectos Clínicos
Os sintomas geralmente aparecem por volta da sexta ou sétima década de vida, apesar de existirem formas mais raras, nas quais os sintomas aparecem mais precocemente, como em parte dos indivíduos com Síndrome de Down ou em pessoas com certas mutações genéticas (CENINI et al., 2012; LOTT et al., 2006; KANDEL et al., 2014). Tanto a incidência (número de casos novos diagnosticados) quanto a prevalência (número de casos em um determinado período) da doença aumentam com a idade. A prevalência dobra aproximadamente a cada 5 anos, partindo de um nível de 3% a 5% na faixa etária entre 60 e 64 anos e atingindo 40% ou mais na população que se encontra entre 85 e 89 anos (KUMAR et al., 2016).
A progressão da DA é lenta, com o curso sintomático muitas vezes superior a 10 anos. A doença geralmente torna-se clinicamente aparente como prejuízo insidioso de funções cognitivas superiores, principalmente a perda da memória de eventos recentes. À medida que a doença progride, surgem outros déficits de memória, orientação visual-espacial, julgamento, personalidade e linguagem. Os sintomas tendem à piora progressiva, esta pode ser mitigada com tratamento farmacológico e psicoterapêutico (KUMAR et al., 2016; TARULLI, 2016).
Aspectos Fisiopatológicos
A DA é uma doença neurodegenerativa, ou seja, um distúrbio caracterizado pela perda progressiva de neurônios (KUMAR et al., 2016). Em sua fase inicial, os neurônios afetados são participantes das vias colinérgicas, como aqueles do núcleo basal de Meynert; com a progressão da doença, mais áreas do encéfalo são afetadas, e de forma mais extensa. Em especial, são acometidas as áreas entorrinal, do hipocampo, do neocórtex e dos núcleos basais (KANDEL et al., 2014; MEDALIA et al., 2015).
Macroscopicamente, na DA, observa-se atrofia cerebral, com giros mais estreitos, sulcos alargados, peso encefálico reduzido e ventrículos aumentados.
Histologicamente, há a presença de placas amiloides no espaço extracelular, principalmente ao redor das conexões neuronais e nas paredes dos vasos sanguíneos, cuja presença está associada a processos inflamatórios e à disfunção neuronal. Uma maior expressão do gene da proteína precursora amiloide, localizado no cromossomo 21, é um dos fatores de aumento de risco de ocorrência da DA genética (CENINI et al., 2012; LOTT et al., 2006; KUMAR et al., 2016).
Além das placas, há também a presença de anormalidades nas células nervosas, principalmente a formação de emaranhados neurofibrilares nos corpos celulares, que podem se associar a anormalidades nos axônios e nos dendritos (KANDEL et al., 2014).
Diagnóstico
De acordo com o DSM-5, o diagnóstico de DA é iniciado com o diagnóstico de transtorno neurocognitivo (TNC), a partir daí, as características centrais de TNC maior ou leve, devido à doença de Alzheimer, incluem início insidioso e progressão gradual dos sintomas. A apresentação característica é amnésica, mas também existem apresentações não amnésicas incomuns, em especial visuais, espaciais e afásicas.
Na fase leve do TNC, a doença de Alzheimer costuma se manifestar com prejuízo na memória e na aprendizagem, por vezes acompanhado de deficiências em funções executivas, como o planejamento e a organização. Quando o TNC é moderado a grave, geralmente estão também prejudicadas a capacidade visuoconstrutiva/perceptomotora e a linguagem. A cognição social tende a ficar preservada até mais tarde no curso da doença. Independentemente do caso, seja para TNC leve ou maior devido à DA, as características clínicas não devem sugerir outra etiologia primária para o TNC.
Pode-se dividir o diagnóstico de transtorno neurocognitivo leve ou maior devido à DA em possível e provável, considerando provável os casos em que há histórico familiar ou teste genético sugestivo de presença da doença; enquanto caracteriza-se possível os casos em que a sintomatologia e a história natural da doença sejam compatíveis com a Doença de Alzheimer, sem que haja histórico familiar ou teste genético sugestivo da doença.
Apesar de biomarcadores, como a dosagem de metabólitos da proteína tau (responsável pelo desenvolvimento dos emaranhados neurofibrilares) e de peptídeo B-amiloide (responsável pela formação das placas amiloides) estarem sendo estudados, o diagnóstico de confirmação atualmente só pode ser dado por meio de visualização do tecido nervoso apresentando as patologias discutidas anteriormente, o que raramente ocorre in vivo, dados os riscos envolvidos numa biópsia cerebral e a acurácia do diagnóstico clínico (STAHL, 2014). Portanto, para que o diagnóstico seja o mais acurado possível, são necessárias uma boa anamnese e uma boa história clínica (KUMAR et al., 2016).
Tratamento
Atualmente, o tratamento farmacológico da DA se dispõe de quatro fármacos: donepezila, galantamina, rivastigmina e memantina. Donepezila, galantamina e rivastigmina são inibidores da acetilcolinesterase, ou seja, atuam inibindo a enzima que destrói a acetilcolina, aumentando assim a disponibilidade desse neurotransmissor. A memantina, por sua vez, é um antagonista não competitivo dos receptores NMDA de glutamato, que reduz os efeitos da liberação excessiva desse neurotransmissor que ocorre na DA (STAHL, 2014; STAHL, 2018).
Esses fármacos agem nos sintomas da doença, mas não conseguem impedir sua progressão. Entretanto, numerosos ensaios clínicos estão sendo realizados, pesquisando como atacar a doença de formas diferentes, como a imunoterapia para diminuir a deposição de B-amiloides e de proteína tau, ou mesmo para tentar reverter a degeneração causada pela doença no encéfalo (STAHL, 2014; KANDEL, 2014). No Brasil, esses medicamentos podem ser obtidos gratuitamente pelo Programa de Medicação de Alto Custo do SUS. Também são utilizados medicamentos para tratar sintomas de depressão, ansiedade e sintomas psicóticos.
No tratamento da DA, além dos medicamentos, são necessárias intervenções não farmacológicas, que muitas vezes são tão ou mais eficazes no manejo de sintomas comportamentais e psicológicos da. Essas intervenções incluem reabilitações cognitivas/neuropsicológicas, terapia ocupacional, fisioterapia, psicoterapia, musicoterapia, dentre outras (CARVALHO et al., 2016).
Prevenção
Apesar de não haver consenso técnico, a Alzheimer’s Association relata que atualmente há um corpo crescente de evidências que indicam que hábitos de vida podem aumentar ou diminuir as chances de desenvolver transtornos neurocognitivos, inclusive a Doença de Alzheimer.
Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de prejuízos neurocognitivos, estão o tabagismo, as doenças cardiovasculares, diabetes melitus, obesidade, sedentarismo, hábitos alimentares ruins e traumatismos cranioencefálicos.
Entre os hábitos que podem diminuir as chances de desenvolver transtornos neurocognitivos se destacam os exercícios físicos, atividades mentalmente estimulantes, alimentação pobre em gorduras e açúcar, sono adequado, cuidados com a saúde mental e a presença de boas relações sociais.
A maior preponderância de hábitos de vida que contribuem para o aumento do risco de aparecimento de prejuízos neurocognitivos, principalmente alimentares, associada a maior dificuldade de acesso a serviços de saúde, menores taxas de escolaridade e maior pobreza pode explicar por que o número de caso de DA está crescendo muito mais nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, do que nos países desenvolvidos.
Semana da Doença de Alzheimer no InformaSUS
Dada a importância da conscientização sobre a Doença de Alzheimer, a necessidade de uma abordagem multidisciplinar em seu enfrentamento, bem como a proximidade da data do Dia Mundial do Alzheimer, durante toda a semana haverá publicações diárias de textos sobre a DA no site do InformaSUS. As intervenções não farmacológicas, de extrema importância para o cuidado integral ao paciente com Doença de Alzheimer e à sua família, serão discutidas por profissionais e estudantes de cursos de diversas áreas das Ciências da Saúde, como a Terapia Ocupacional, a Psicologia e a Fisioterapia.
Recursos Extras:
Alzheimer’s Association: https://www.alz.org/
Alzheimer’s Disease Internation: https://www.alz.co.uk/
Associação Brasileira de Alzheimer: http://abraz.org.br/web/
Ministério da Saúde: https://saude.gov.br/saude-de-a-z/alzheimer
Organização Mundial da Saúde: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dementia
Referências Bibliográficas:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Seção II Critérios Diagnósticos e Códigos: Transtornos Neurocognitivos. In: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
APOSTOLOVA, Liana G. et al. Dementias. In: DAROFF, Robert B. et al. Bradley’s Neurology in Clinical Practice. 6. ed. Filadélfia, EUA: Elsevier, 2012.
BLUMENFELD, Hal. HIgher-Order Cerebral Function: Homeostasis, Olfaction, Memory, and Emotion. In: BLUMENFELD, Hal. Neuroanatomy through Clinical Cases. 2. ed. Massachusetts, EUA: Sinauer Associates, 2010.
CARVALHO, Paula D. P. et al. Tratamentos não farmacológicos que melhoram a qualidade de vida de idosos com doença de Alzheimer: uma revisão sistemática. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, Rio de Janeiro, 2016. DOI 10.1590/0047-2085000000142. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0047-20852016000400334&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 21 set. 2020.
CENINI, G. et al. Association Between Frontal Cortex Oxidative Damage and Beta-Amyloid as a Function of Age in Down Syndrome. Biochimica et Biophysica Acta, 2012. DOI 10.1016/j.bbadis.2011.10.001. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22009041/. Acesso em: 21 set. 2020.
GUTIERREZ, Beatriz Aparecida Ozello et al. Impacto econômico da doença de Alzheimer no Brasil: é possível melhorar a assistência e reduzir custos?. Ciência & saúde coletiva, Rio de Janeiro, 2014. DOI 10.1590/1413-812320141911.03562013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232014001104479&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 set. 2020.
KANDEL, Eric R.et al. O Encéfalo que Envelhece. In: KANDEL, Eric R. et al. Princípios de Neurociências. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014.
KUMAR, Vinay et al. O Sistema Nervoso Central: Doenças Neurodegenerativas. In: KUMAR, Vinay et al. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.
LOTT, I.T. et al. Beta-Amyloid, Oxidative Stress and Down Syndrome. Current Alzheimer Research, 2006. DOI 10.2174/156720506779025305. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/17168651/. Acesso em: 21 set. 2020.
MEDALIA, Alice et al. Integrando Psicofarmacologia e Remediação Cognitiva para Tratar a Disfunção Cognitiva nos Transtornos Psicóticos. In: OLIVEIRA, Irismar R. et al, (org.). Integrando Psicoterapia e Psicofarmacologia: Manual para Clínicos. Porto Alegre: Artmed, 2015.
STAHL, Stephen M. Demência e seu Tratamento. In: STAHL, Stephen M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
STAHL, Stephen M. Stahl’s Essential Psychopharmacology: Prescriber’s Guide. 6. ed. Reino Unido: Cambridge University Press, 2017.
TARULLI, Andrew. Neurology: A Clinician’s Approach. 2. ed. Suíça: Springer, 2016.
VERAS, Renato Peixoto et al. Avaliação dos gastos com o cuidado do idoso com demência. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, 2007. DOI 10.1590/S0101-60832007000100001 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832007000100001&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 21 set. 2020.
Autoria:
João Pedro de Barros Fernandes Gaion, Estudante de Medicina
Revisão de Conteúdo:
Francisco de Assis Carvalho do Vale, Médico Neurologista
Matheus Fernando Manzolli Ballestero, Médico Neurocirurgião
Claudia Aline Valente Santos, Terapeuta Ocupacional
Ana Claudia T. de Barros, Terapeuta Ocupacional
Elizabeth Barham, Psicóloga
Juliana Morais Menegussi, Assistente Social
Nathália Sigilló Cardoso, fisioterapeuta
Nicole Akemi Yamada, Estudante de Psicologia
Tais Francine De Rezende, Psicóloga
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Categoria: Neurologia
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Créditos da imagem: Gerd Altmann por a Pixabay
Boa noite! Primeiramente, parabéns pelo site!
Em segundo lugar, poderiam me passar as referências do seguinte dado: “No Brasil, existem cerca de 1,2 milhões de pessoas com DA.”
Desde já, muito obrigada!