Você certamente já viu, nos serviços de atendimento à saúde, uma pessoa que passou por uma cirurgia de ostomia, como por exemplo, a traqueostomia. Em alguns casos, estes procedimentos não são reversíveis e há a necessidade de adaptação da pessoa à sua nova condição de vida, o que também envolve adaptações no ambiente de trabalho. O conhecimento dos colegas e também de gestores sobre o assunto é essencial para apoiar o trabalhador ostomizado. Dentre os direitos destes trabalhadores está o reconhecimento como uma pessoa com deficiência. Neste post preparamos algumas perguntas e respostas sobre o assunto, tendo em vista que dia 16 de novembro é o Dia Nacional dos Ostomizados.
- O que é ostomia?
A ostomia, também conhecida como estomia, é um procedimento cirúrgico que cria uma abertura no corpo para conectar órgãos internos com o meio externo. As causas para necessidade de uma ostomização são as mais diversas e podem ser decorrentes de doenças como câncer, doenças inflamatórias intestinais, uso prolongado de ventilação mecânica, obstruções intestinais ou urinárias, entre outras.
- Em quais regiões do corpo podem ser realizadas as ostomias?
As ostomias podem ser realizadas no sistema respiratório, digestivo ou urinário e sua nomenclatura se dá de acordo com a região corporal, sendo as mais comuns:
- traqueostomia = ostomia de respiração entre a traquéia e o meio externo;
- gastrostomia e jejunostomia = ostomias de alimentação entre o estômago e jejuno, respectivamente, com o meio externo;
- urostomias, ileostomias e colostomias = ostomias de eliminação entre sistema urinário, íleo e intestino grosso, respectivamente, com o meio externo.
- As ostomias são permanentes ou temporárias?
Para tal definição, se permanente ou temporária, considera-se a causa da ostomia e as condições clínicas do indivíduo. Nos casos em que é possível a reversão da ostomia por meio de procedimento cirúrgico, quanto antes ele for realizado, maiores são os benefícios para as pessoas pela diminuição do risco de complicações, melhor qualidade de vida e funcionalidade, bem como para o sistema de saúde pelo custo e demandas do tratamento.
- Quais as repercussões da ostomia na vida pessoal e no trabalho?
As pessoas submetidas a ostomia enfrentam muitas modificações no seu cotidiano, seja no âmbito pessoal, familiar, profissional e social. Essas mudanças podem afetar a qualidade de vida dessas pessoas, a começar pela aceitação do próprio corpo. Porém, o modo positivo ou negativo de lidar com a situação depende da capacidade de enfrentamento de cada indivíduo e de suas subjetividades (Reisdorfer et al., 2019).
Nos casos das ostomias de eliminação intestinal, por exemplo, as mudanças que fazem parte do dia a dia ocorrem principalmente em função do manejo do equipamento coletor para troca ou limpeza, podendo ser necessário ajuda de familiares ou terceiros. A alimentação, muitas vezes, também precisa passar por adequações, pois deve ser equilibrada para que a consistência das fezes seja adequada e haja uma diminuição na produção de gases. Alguns indivíduos optam por usar roupas mais largas, com a finalidade de disfarçar o equipamento coletor e outros tantos, limitam-se a permanecer em seus domicílios, diminuindo viagens e passeios, em decorrência do desconforto de eliminação das fezes de forma imprevisível, o que pode ocasionar barulho, odor e lhes causar constrangimentos (Reisdorfer et al., 2019).
O medo do preconceito, portanto, é comum na vida do ostomizado e dificulta suas relações interpessoais, provocando um desgaste físico e emocional (Maurício et al., 2011), já que não há uma desconstrução do estigma social e do preconceito enfrentado por esses sujeitos, por parte de campanhas educativas que poderiam ser desenvolvidas nesses ambientes de trabalho (Maurício et al., 2011). Ademais, muitas vezes esses indivíduos retornam ao trabalho, mas são excluídos pelos colegas. Nessa perspectiva, o apoio familiar, a sensibilização da sociedade e órgãos de trabalhadores devem garantir os direitos e assistência à pessoa ostomizada, auxiliando na sua reinserção no trabalho e considerando sua condição de saúde atual.
- Quais as repercussões na relação familiar e na vida sexual?
A maioria das pessoas que vivenciam a condição de ostomizado necessita do acolhimento familiar. Por ser um momento de grande mudança, devido às novas rotinas de cuidado, a família é uma grande aliada no processo de adaptação do indivíduo, em virtude do apoio nas atividades diárias, apoio emocional e até mesmo financeiro.
No entanto, alguns indivíduos optam e buscam a independência no cuidado com a ostomia por se sentirem infantilizados e um fardo para os seus familiares (Reisdorfer et al., 2019). Isso ocorre frequentemente, devido não ser encontrado o apoio familiar pelo ostomizado (Bellato et al., 2008). E as relações podem ser alteradas devido essa condição de saúde, gerando instabilidade no vínculo familiar.
Um apoio familiar fragilizado pode ser proveniente do estigma social e cultural que a pessoa ostomizada sofre por estar relacionada à incontinência fecal, urinária, odor, e exposição das excreções (Bellato et al., 2008). Mas esse apoio pode ser variável, de acordo com as vivências e modos de enfrentamento dos familiares.
A nova rotina familiar exige um processo de adaptação, esforço e dedicação, para com um cuidado maior com as roupas, higiene, equipamentos coletores e alimentação (Bellato et al., 2008).
E a condição de ser uma pessoa estomizada acarreta também impactos na vida sexual devido a dificuldade de aceitação da nova realidade e do corpo (Reisdorfer et al., 2019).
- Por que falar de pessoas com ostomia no ambiente de trabalho?
O trabalho, formal ou informal, além de ser fonte de renda contribui para que as pessoas se sintam úteis e pertencentes a um grupo. Com isso, proporcionar espaços de discussão e orientação aos trabalhadores de qualquer área sobre as mais diversas deficiências é extremamente saudável. Afinal, informações que se transformam em conhecimento tem potencial para ampliar o grau de maturidade social e, consequentemente, evitar preconceitos.
Nesse sentido, trazendo a temática da ostomia para o ambiente de trabalho, quanto mais se souber sobre ela (o que é, causas, repercussões, direitos, etc), mais fácil a adaptação e aceitação de todos aqueles que irão conviver com a pessoa ostomizada.
A reinserção social desses indivíduos, muitas vezes, tomados por medos, angústias e inseguranças, nem sempre é fácil, mas o trabalho pode contribuir para ressignificar a vida e suas relações ao ser uma forma de distração, de ocupação da mente e de prevenção ao isolamento.
Entretanto, para que isso ocorra de maneira natural e não seja mais uma fonte de estresse, desgaste psicológico ou até mesmo um disparador do desejo de se aposentar é preciso que haja, além de espaços físicos bem estruturados para pessoas com deficiência física, programas e planos de reabilitação elaborados considerando a individualidade de cada caso.
- Direitos Garantidos?
A pessoa com ostomia é considerada uma pessoa com deficiência. O Art. 34. do Estatuto da Pessoa com Deficiência estabelece que a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
O Decreto N° 5.296 de 2004 reconhece a pessoa com estomia como pessoa com deficiência, confere às pessoas estomizadas todos os benefícios destinados às pessoas com deficiência no Brasil, como por exemplo: acesso preferencial em filas, isenção de certos impostos, materiais (equipamento coletor e adjuvantes) para cuidado com o estoma, cota nas universidades e no mercado de trabalho, benefício de salário-mínimo sem condição de trabalho, transporte gratuito e o acesso à recuperação da saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sem comprovação de renda. Dessa forma os serviços de atenção às pessoas com estomia são integrantes da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, essa rede ecoa a necessidade de ampliar e diversificar os serviços do SUS para as pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, estomias e múltiplas deficiências, organizados na atenção especializada (Brasil, 2004).
- O que são Serviços de Atenção às Pessoas Ostomizadas no SUS?
Estabelecida pela Portaria nº 400 de 16 de novembro de 2009, as Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do SUS define a composição da atenção à saúde das pessoas com estoma através de ações desenvolvidas na atenção básica e ações desenvolvidas nos Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas. Nos serviços particulares, apenas em 2012 a Lei 12.738 de 30 de novembro de 2012 regulamentada pela RN nº 325, tornou obrigatório o fornecimento de bolsas de colostomia, ileostomia e urostomia, de coletor de urina e de sonda vesical pelos planos privados de assistência à saúde (Brasil, 2009; Brasil, 2012; Brasil, 2013).
São unidades de saúde especializadas para assistência às pessoas com ostomia. Esses serviços devem desenvolver ações de reabilitação que incluem orientações para o autocuidado, prevenção, tratamento de complicações no estoma, capacitação de profissionais e fornecimento de equipamentos coletores e de proteção e segurança (bolsas coletoras, barreiras protetoras de pele sintética, coletor urinário). Devem ter equipe multiprofissional, equipamentos e instalações físicas adequadas, integrados à estrutura física de policlínicas, ambulatórios de hospital geral e especializado, unidades ambulatoriais de especialidades, Unidades de Reabilitação Física, Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – UNACON e Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia – CACON. As pessoas ostomizadas precisam receber informações e cuidados para viverem com qualidade, de forma autônoma, independente e participativa (Brasil, 2004).
Contudo, cabe ressaltar que as políticas públicas de saúde voltadas às pessoas com estomia devem contemplar o acesso às necessidades de saúde, por meio da garantia dos diversos níveis de assistência, de modo a possibilitar a integralidade da atenção e não limitar-se ao fornecimento dos equipamentos coletores. Apesar de delimitar metas, objetivos e atividades, a Portaria 400 estabelece as diretrizes de atenção às pessoas com estomia, porém não se constitui um Programa de Saúde Pública com modos de operacionalizar as diretrizes (Flach et al., 2020; Bernardes, 2007).
Apesar das legislações, a condição de ostomizados no Brasil ainda é assunto pouco conhecido por grande parte da sociedade e é importante que profissionais da área de saúde, de educação, de serviço social, operadores do direito, gestores, pessoas com deficiência e sociedade em geral, tenham acesso à informação, à legislação e suas alterações e se atualizem frequentemente, em temas relacionados ao exercício de direitos de PCD. O conhecimento desses direitos e a acessibilidade dos serviços ofertados às pessoas estomizadas possibilitará melhor qualidade de vida e maior grau de independência, incentivando a autonomia, a participação social, a dignidade e solidariedade humana ao usuário (Brasil, 2009; Santos, 2020).
Um dos motivos deve-se à falta de dados sobre o quantitativo de ostomizados no país, principalmente pensando na mudança demográfica no perfil de saúde dos brasileiros, evidenciando o crescimento de doenças crônicas não transmissíveis. De toda forma, os ostomizados ainda não são especificamente contemplados no questionário do IBGE, impossibilitando a cadeia de planejamento de cuidados em saúde para essa população (Brasil, 2009).
Autores:
Amanda Araujo Cavalcante
Cristiane Shinohara Moriguchi de Castro
Monica Jordão
Renata Trivelato de Azevedo
Revisão:
Fernanda Maria de Miranda
Marielle Cristina Luciano
Vera Regina Lorenz
Referências
Bellato, R. et al. A condição crônica da ostomia e as repercussões que traz para a vida da pessoa e sua família. Ciência, Cuidado e Saúde. v. 6, n. 1 (set. 2008), 40 p. Disponível em <https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v6i1.4971>. Acesso em 27 de outubro de 2021.
Bernardes, A. G. Guareschi, N. Estratégias de produção de si e a humanização no SUS. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 27, n. 3, p. 462-475, set. 2007. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932007000300008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 de outubro de 2021.
Brasil. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2021.
_____. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria nº 400, de 16 de novembro de 2009. Estabelece Diretrizes Nacionais para a Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, a serem observadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2009/prt0400_16_11_2009.html>. Acesso em 15 de novembro de 2021.
_____. Presidência da República. Secretaria-Geral. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº 12.738, de 30 de novembro de 2012.LEI Nº 12.738, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2012. Altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, para tornar obrigatório o fornecimento de bolsas de colostomia, ileostomia e urostomia, de coletor de urina e de sonda vesical pelos planos privados de assistência à saúde. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12738.htm>. Acesso em 15 de outubro de 2021.
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