O dia 28 de junho é o Dia Internacional do Orgulho LGBT+. Um dia de celebração, mas, sobretudo, mais um dia de luta para todas as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, pessoas intersexo, assexuais e muitas outras que compõem esse grupo social tão diverso. Deslocar constrangimentos e ousar falar-agir são desafios constantes na vida social e laboral, espaços de contínua mobilização. 

A data é um marco que retoma o episódio das Rebeliões de Stonewall (Stonewall Riots, em inglês), de 28 de junho de 1969, na cidade de Nova Iorque, quando jovens frequentadores do bar Stonewall Inn se revoltaram contra a perseguição e a violência policial contra LGBTs. Lembra um dos muitos dias de luta contra a violação de direitos e contra a LGBTfobia que assola toda a comunidade LGBT+ ao redor do mundo.

 

Design por Amanda Penetta

 

Ainda que, no Brasil, a LGBTfobia seja considerada crime de ódio, passível de penalidades desde junho de 2019, nós somos o país que mais mata LGBTs, principalmente travestis e transgêneros (TTs), no mundo (TGEU, 2019). Além disso, também percebemos 90% da população TT adquirindo renda, forçosamente, por meio de atividades de prostituição (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2020), o que evidencia as gigantescas barreiras que a sociedade impõe a essas pessoas em diversos âmbitos da vida social, como na família, na escola e no trabalho.

No entanto, tem crescido o debate sobre a inclusão da diferença e diversidade LGBT+ nos contextos de trabalho, bem como o número de empresas privadas que informam buscar por esses trabalhadores para comporem seus quadros funcionais. Ao longo do mês de junho, especialmente, é comum vermos logomarcas monocromáticas ganharem todas as tonalidades do arco-íris (símbolo e bandeira do movimento social LGBT+), mas que, tão logo, às 00 horas do dia 1 de julho, desbotam-se, retornando ao original. Que reconhecimento é esse? 

Essas empresas firmam parcerias com bancos de currículos LGBTs, participam de fóruns sobre diversidade, assinam cartas de comprometimento para o desenvolvimento de políticas organizacionais de inclusão e respeito ao trabalhador diverso, desenvolvem campanhas publicitárias belíssimas com casais homoafetivos, vendem e recebem em Pink Money o valor de seus produtos. Mas será que, de fato, partilham de um ideal progressista, humanizado, e possuem o preparo institucional para lidar com a diferença LGBT+? Ou simplesmente querem usar a diversidade como mais um slogan fetichizado, um adorno de vitrine, maquiador de interesse puramente racional e voltado para o negócio?

 

Design por Amanda Penetta

 

Isso porque, apesar das ditas práticas de inclusão, os trabalhadores LGBTs que adentram o mundo do trabalho, diversas vezes, vivenciam situações de violências, discriminações e preconceitos que fazem com que não consigam permanecer no trabalho. Com frequência, são humilhados e sofrem adoecimento pelo trabalho. Não por suas características individuais. A determinação social do adoecimento pelo e no trabalho tem que ser dita, explicada e denunciada em alto e bom som. Relaciona-se às situações que podem ser traduzidas como: culpabilização de travestis e transexuais por não concorrerem às vagas de emprego; confusão e indistinção entre orientação sexual e identidade de gênero por parte de gestores e demais trabalhadores, fazendo com que os diferentes sujeitos do grupo LGBT+ sejam entendidos como um grupo homogêneo, com as mesmas características e estereótipos; desrespeito ao uso do nome social para os trabalhadores transgêneros, o que acarreta em discriminação, desconforto e violência psicológica; trabalhadores alocados em nichos ou ramos específicos da economia (entretenimento, beleza), funções subalternas e/ou postos de trabalho invisíveis, tais como operadoras de telemarketing ou camareiras; perseguições e violências verbais e psicológicas vivenciadas no cotidiano desgastante, senão degradante, de suas rotinas laborais; formas veladas e/ou explícitas de assédio, dissimuladas pelo gerencialismo como sistema de poder e ideologia (GAULEJAC, 2007). 

 

Design por Ana Paula de Lima

 

O trabalho, no entanto, para além do valor material, é atravessado pelo valor social, por sua dimensão simbólica, pelo sentido que lhe atribuímos (DEJOURS, 2004). Pessoas que trabalham são, em alguma medida, socialmente valorizadas. Razão pela qual, ainda que o trabalho possa ser o local de angústias, sofrimento e desrespeito aos direitos, também é compreendido, por trabalhadores LGBTs, e pelos estudos da saúde mental e trabalho, como meio potente para a manutenção de suas vidas e de realização de seus sonhos e objetivos pessoais e familiares; permite-lhes planejar o futuro, ressignificar a vida e desenvolver-se; possibilita o sentimento de inclusão, aceitação, utilidade e distinção social; garante o direito sobre o próprio corpo; auxilia a lidar com as frustrações pessoais e construção de representações positivas de si mesmo e até da performance de gênero. No trabalho, identidades socialmente atribuídas e forjadas podem vir a ser ressignificadas, de forma a possibilitar identidades subjetivamente apropriadas, o que depende não só de quem trabalha, mas da organização na qual se trabalha, do reconhecimento. Mas acompanhemos Dejours (2004, p. 304), que, sem mascaramentos, nos aponta que “não podemos conceber uma organização do trabalho sem sofrimento, mas organizações do trabalho mais favoráveis à negociação desse sofrimento”; ao que acrescenta: “a saúde e o prazer estão sempre por ser conquistados”.    

 

Design por Ana Paula de Lima

 

Poder trabalhar implica a presença do sujeito nas dinâmicas da vida social (SENNET, 2009) e já que nem só de dor, mas também de delícias é feito o trabalho, privar pessoas LGBTs de terem direito ao acesso e permanência nos contextos de trabalho é mais uma das formas pelas quais age a LGBTfobia. Segundo Irigaray (2010), mesmo aquelas empresas que declaram possuir uma ampla política de diversidade e respeito às diferenças, muitas vezes, posicionam-se contrárias à entrada de pessoas travestis e transgêneros nas organizações. Empresas que se autodeclaram inclusivas, que firmam parcerias com sites de currículos de pessoas TTs e que, no entanto, não possuem ou possuem apenas um “exemplar” de trabalhador TT para exibirem e celebrarem a diversidade em suas campanhas, uma única vez no mês de junho, estão sendo tão ou mais LGBTfóbicas que aquelas empresas que assumem não apoiar a causa LGBT. Criar e manter a ilusão de que as pessoas poderão ter espaço naquele local e não cumprirem com o que prometem também é uma forma de grande violência. O imaginário enganoso deve ceder lugar ao imaginário criativo. Somente a luta pelo ideal ético e político pode fazer face à instrumentalização da subjetividade.  

Temos, sim, de celebrar as conquistas, ainda que pequenas e ao custo de muitas vidas LGBTs. Mas não podemos nos dar por satisfeitos com o pouco e superficial recebido. O espaço de “entendimento” e da “plasticidade” da “organização” é “sempre insuficiente e imperfeito”, nos alerta Dejours (2004, p. 305), mas “mesmo assim possível e desejável”. Ser LGBT+ no Brasil é sinônimo de luta e ainda há muito pelo que lutar. Que neste momento de pandemia global, quando impedidos de festejar e brindar presencialmente nossas (r)existências, possamos refletir mais sobre tudo aquilo que ainda nos segue sendo negado e nas situações em que somos usados, perversamente, como meio de aquisição de vantagens e ganhos econômicos para outros. E que dessas reflexões brotem ações transformadoras, permanentes e sempre alertas.

 

Referências:

BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, S. N. B. Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019. São Paulo: Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2020.

DEJOURS, C. Entre sofrimento e reapropriação: o sentido do trabalho. In: SZNELWAR, L. I.; LANCMAN, S. (org.). Christophe Dejours: Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Fiocruz/Brasília: Paralelo 15, 2004.

GAULEJAC, V. A gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. Aparecida: Ideias & Letras, 2007.  

IRIGARAY, H. A. R. Identidades sexuais não-hegemônicas: a inserção de travestis e transexuais no mundo do trabalho sob a ótica queer. VI Encontro de Estudos Organizacionais, Florianópolis, 2010.

SENNETT, R. El Artesano. Barcelona: Anagrama, 2009.

TRANSGENDER EUROPE – TGEU (Alemanha). Trans Murder Monitoring (TMM) project. 2019. Disponível em: https://tgeu.org/tmm-update-tdor-2019/. Acesso em: 11 maio 2021.

 

Autoria de
Rafael Paulino Juliani
Eduardo Pinto e Silva

Revisão por
Cristiane Shinohara Moriguchi de Castro
Daniela Peres Garcia
Fernanda Maria de Miranda
Marcos Soares de Arruda
Marielle Cristina Luciano
Monica Jordão de Souza Pinto
Vera Regina Lorenz

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

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Autor

  • Eduardo Pinto e Silva

    Psicólogo pela PUC-SP, Mestre e Doutor em Educação pela UNICAMP, Pós-Doutorado pelo Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ. Professor Associado III do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar. Pesquisador do Núcleo de Estudos Trabalho, Saúde e Subjetividade da UNICAMP.

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