Segundo o último Censo no IBGE existem aproximadamente 9 milhões de pessoas com problemas auditivos no Brasil. Esse grupo, entretanto, não é homogêneo. São crianças, jovens, adultos e idosos que apresentam deficiência auditiva em diferentes graus. Essa deficiência causa impacto direto na forma de comunicação que esses cidadãos utilizam em suas vidas cotidianas.

Muitos deles, entretanto, consideram essa deficiência não como experiência de falta que precisa ser corrigida ou reabilitada, mas como uma marca que define sua identidade permitindo, com isso, que a apreensão do mundo aconteça de modo visual. Essa visualidade, por sua vez, permite com que esses sujeitos se identifiquem como surdos (e não como deficientes auditivos), se comuniquem por meio de uma língua gesto-visual, pertençam a uma comunidade linguística minoritária e partilhem de experiências que atravessam a surdez como particularidade étnico-linguística.

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Esse grupo, denominado de comunidade surda, enfrenta dificuldades cotidianas muito parecidas com a que estrangeiros que não falam a língua portuguesa vivenciam no Brasil – justamente por utilizarem uma língua não falada pela maioria: a língua brasileira de sinais (Libras). Todavia, diferente de pessoas ouvintes, os surdos congênitos ou que perderam audição na infância não aprendem a língua portuguesa oral por questões biológicas que não permitem o acesso natural à língua falada no Brasil. Para que esse acesso aconteça é preciso uma série de intervenções reabilitativas como o uso de aparelhos de amplificação sonora individual (AASI), implante coclear (cirurgia que coloca um aparelho auditivo dentro da orelha interna por meio de cirurgia) e intensa terapia fonoaudiológica.

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As línguas de sinais, entretanto, que são línguas como quaisquer outras e podem ser adquiridas pelos surdos de forma natural e espontânea por meio da interação com seus pares. No Brasil, a língua de sinais utilizada pelos surdos chama-se Libras (língua brasileira de sinais) e por ser uma língua, ela permite aos surdos que se comuniquem em situações prosaicas e complexas, produzam poesia, arte e, sobretudo, falem de si, de seus sentimentos, emoções e questões internas, pois lhes oferece a mesma possibilidade de constituição de subjetividade que a língua portuguesa oferece aos ouvintes.

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Por não ser uma língua falada pela maioria da população, os surdos precisam de tradutores e de intérpretes para mediar a comunicação nos mais variados espaços sociais, especialmente em contextos públicos. A educação também acontece de forma bilíngue permitindo o uso da Libras como língua de instrução e aprendizagem da língua portuguesa na modalidade escrita.

A legislação brasileira reconhece a Libras como sistema de comunicação utilizado pelos surdos (Lei 10.436/05) e determina que seu uso aconteça em instituições públicas e privadas para garantir o atendimento dos surdos na educação, na saúde, no judiciário, no audiovisual e em todos os espaços possíveis (Decreto 5.626/05; Lei 13.146/15).

Nesse período de pandemia, a comunidade surda tem vivenciado questões complexas que atravessam a limitação da interação em Libras das crianças surdas que aprendem, geralmente, a língua apenas em ambientes educacionais até o acesso a profissionais de saúde mental que sejam bilíngues para acolher os sofrimentos causados por esse tempo em sua própria língua.

Para compreender mais sobre as vicissitudes da condição surda em relação à pandemia, entrevistamos a psicóloga surda e professora substituta do Departamento de Psicologia da UFSCar Raíssa Tostes que conta como a comunidade surda tem lidado com as questões subjetivas, emocionais, comunicacionais e interativas nesse período de pandemia.

 

Texto e entrevista:
Vinícius Nascimento

Tradução e dublagem:
Lis Máximo e Melo
Vinícius Nascimento

Realização:
Coletivo Cuidados Sem Limites – InformaSUS UFSCar

 

Créditos da imagem: Karlyukav no Freepik

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