Sinal fechado. O som esparso de algumas buzinas pelas ruas. A visão distópica de pessoas andando com o passo apertado. Olhares desconfiados. Medo. Dúvida. Angústias. Vivemos, agora, em isolamento social. E como temos usado nosso tempo nesse momento?
Para aqueles que estão na linha de frente do enfrentamento à COVID-19, sair é necessário – profissionais da saúde e funcionários de setores essenciais precisam estar nas ruas. Para quem está em casa, não tardou a surgirem, na internet, mil e uma propostas para aproveitar o tempo “livre”: cursos diversos, acesso a conteúdos fílmicos de plataformas de streaming, lives de artistas e de pensadores que se multiplicam com velocidade. Coisas para encaixar nas “horas que sobram” entre as atividades do home office, os compromissos presenciais e as demandas da vida privada que, agora, se arranjam nas plataformas de videoconferência. Ou seja, nosso tempo “livre” – o “tempo que sobra” – continua sendo usado de forma utilitária; o modus operandi é o mesmo, com vistas ao produtivismo típico da lógica tecnicista que opera o capitalismo.
E, assim, continuamos sem tempo pra respirar no isolamento. O tempo da vida, de apenas ser e estar sem se ocupar com mais nada além da respiração, é um tempo que nunca ou pouco ousamos viver na contemporaneidade. E cada vez mais essa lógica se impõe às crianças. Nessa toada, muitas escolas privadas se apressaram para organizar suas atividades por meio de plataformas digitais. Não se sabe bem – talvez até se saiba, mas isso parece importar muito pouco – em que medida transformar a carga horária presencial em carga horária on-line é proveitoso para o processo de ensino-aprendizagem. Ocupam-se as horas, cumpre-se o calendário, e isso parece atender às demandas. A realidade da escola pública, que sempre foi diferente, continua sendo, e a defasagem agora se faz sentir não apenas no não cumprimento do calendário, mas também na dificuldade de acesso às plataformas digitais e no seu uso inadequado e insuficiente em termos pedagógicos.
A realidade desse momento é que estamos vivendo uma situação nova e desafiadora, e somente a incerteza é certa. Não sabemos quando, de fato, essa realidade “provisória” vai dar lugar à “normalidade”, e estamos sem tempo para estar assustados e angustiados, já que continuamos a produzir sem pausa, a ocupar de maneira incessante o tempo. O que podemos fazer – nós e nossas crianças – para respirar nesse momento?
A arte é um caminho para artistas e para todos nós. O que os artistas criam pode nos ajudar a respirar também. E a aposta deste texto é na literatura.
Se, como afirmou Antonio Candido em seu ensaio O Direito à Literatura (1988), “a literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza”, utilizá-la para dar vazão aos sentimentos das crianças que estão experienciando esse momento – e que também sofrem com os medos e angústias – pode ser uma excelente opção.
O livro ilustrado, por exemplo, voltado para o público infantil ou infanto-juvenil, é permeado pelo encontro da poética da palavra com a poética da imagem. Trata-se de um objeto de arte que afeta o leitor por meio dessa relação: um objeto que propõe uma complexidade, pois parte da ideia de que as crianças não são seres vazios no processo de construção de sentidos a partir da leitura – seja ela mediada ou não por um adulto.
Indicamos, então, algumas sugestões de leitura direcionadas ao público infantil e que estão disponíveis gratuitamente nas redes:
- Iniciativa do Itaú “Leia para uma criança” (Itaú Criança): livros disponíveis para serem baixados em formato .pdf clicando aqui.
- Itaú Social “Espaço de leitura”: um site que disponibiliza, além de leituras voltadas para o público infantil, diversos recursos digitais que podem ser explorados e um material de apoio para os pais criarem uma ambiência rica e interativa com as crianças. Disponível aqui.
- Domínio Público: livros infantis que podem ser baixados gratuitamente clicando aqui.
- Storyline Online (para crianças já alfabetizadas): contação de histórias com vídeos de animação (áudios em inglês, legendas em português), disponível aqui.
- Livros infantis que abordam a situação imposta pela COVID-19 que poderão ser utilizados para explorar sobretudo os sentimentos das crianças nesse momento. São exemplos os livros A história da ostra e da borboleta: o Coronavirus e eu, de Ana M. Gomez, disponível clicando aqui, e Carta às meninas e aos meninos em tempos de Covid-19, organizado pelo Fórum Mineiro de Educação Infantil (FMEI) e feito por importantes ilustradores e escritores de literatura infantil brasileiros, disponível clicando aqui. Há também o Livro dentro de casa, de Bruna Lubambo, com leitura feita pelo educador Anderson Kubiaki, disponível aqui.
- Canal PiroLizPlin no YouTube: direcionado ao público infantil, o canal traz três atores (Piro, Liz e Plin) que contam histórias, encenam, falam sobre a COVID-19 em uma linguagem apropriada para as crianças e dão dicas de atividades pedagógicas para serem feitas nesse período. Disponível aqui.
- Instituto Gulbenkian (Portugal): ideias simples e criativas para a construção de livros e narrativas com as crianças. Tudo está disponível clicando aqui. Para servir de inspiração, algumas das atividades realizadas em oficinas de artes pela equipe educativa do Instituto podem ser visualizadas no seguinte endereço: https://vimeo.com/descobrir.
Esperamos que essas sugestões contribuam para que crianças e adultos possam respirar nesse momento, arejando as possibilidades de ser e de estar em casa por meio da leitura e da experimentação com a arte. Apostemos em partir do simples, em partir de acontecimentos corriqueiros em casa, dos afazeres de rotina, para desenvolver exercícios de criação e fruição com os pequenos. Para isso não são necessários materiais ou dispositivos especiais: o único material indispensável é a imaginação.
O livro Das coisas nascem coisas, do artista, designer e inventor italiano Bruno Munari (2015) defende, com humor e ousadia estética, exatamente essa ideia de que, quando se tem problemas que precisam de uma solução, de uma coisa nasce outra coisa, e uma coisa leva a outra, difundindo a ideia de apropriação – técnica muito presente na arte contemporânea. Como nos apropriarmos dessa matéria bruta da quarentena que é a necessidade do isolamento e transformá-la, de algum modo, em alguma medida, usando a criatividade?
O fim desse texto é essa pergunta. Os caminhos serão percorridos por cada um de nós, em casa, onde há coisas, e mais coisas, e inúmeras possibilidades para explorar. Inspirem-se.
Autoria de
Carolina Laureto Hora
Educadora, mediadora cultural e pesquisadora. Licenciada em Letras pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
atualmente cursa o doutorado em Educação na mesma Universidade. Integra o Grupo de Pesquisa Literatura e Tempo Presente.
Lau Pacheco
Professora, pesquisadora e escritora em formação. Bacharela em Letras pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG),
atualmente cursa o mestrado em Estudos Literários na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
Também integra o Grupo de Pesquisa Literatura e Tempo Presente.
Crédito da imagem: StockSnap por Pixabay
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