Parte do processo de maturação de vírus como o SARS-CoV-2 é a ação de proteases que transformam a poliproteína traduzida do RNA viral nas proteínas constituintes do vírus (RÁCZ, 2015). Estudos in vitro e ensaios clínicos inicialmente mostraram que a utilização de inibidores de protease poderia acarretar desfechos favoráveis em pacientes apresentando SARS e MERS (CHAN et al., 2003; FORD, et al., 2020; PARK et al., 2019; YAO et al., 2020). Assim, tendo em vista a proximidade genética do SARS-CoV-2 com os vírus causadores dessas síndromes respiratórias, o uso de antirretrovirais inibidores de protease vem sendo estudado como possível forma de tratamento para COVID-19 (DONG; HU; GAO, 2020).

O ensaio Recovery, da Universidade de Oxford, Reino Unido, avaliou diferentes tratamentos para casos graves de COVID-19 desde março de 2020, com mais de 36 mil participantes. Esse estudo descartou tratamentos antes vistos como promissores, como a Hidroxicloroquina e o coquetel de HIV Lopinavir-Ritonavir. Não foram encontrados benefícios estatisticamente significativos nos pacientes hospitalizados com COVID-19 que fizeram uso de Lopinavir-Ritonavir. O resultado foi igual entre os grupos, tanto para mortalidade em 28 dias, quanto para duração de internação hospitalar ou risco de evolução para ventilação mecânica (RECOVERY, 2020).

O painel do Grupo de Desenvolvimento de Diretrizes (GDD) encontrou falta de evidências de que Lopinavir/Ritonavir melhorassem os desfechos que são importantes para os pacientes, como: redução da mortalidade, necessidade de ventilação mecânica, tempo até a melhora clínica e outros. Para mortalidade e necessidade de ventilação mecânica, o fato baseou-se em evidências de certeza moderada; para os outros desfechos, em evidências de certeza baixa ou muito baixa. O GDD é composto por especialistas em conteúdo, médicos, pacientes, especialistas em ética e metodologistas, que produziram recomendações, seguindo os padrões para desenvolvimento de orientações confiáveis usando a abordagem da Classificação de Recomendações, Avaliação, Desenvolvimento e Análises (GRADE). Nenhum conflito de interesse foi identificado para qualquer membro do painel ou outros contribuidores no processo de desenvolvimento das orientações (OPAS, 2021).

Atualmente, a terapia com Lopinavir/Ritonavir (constituída pela utilização do inibidor de protease Lopinavir em combinação com outro antirretroviral, Ritonavir), utilizada para aumentar a biodisponibilidade do Lopinavir no organismo por agir inibindo a CYP3A4, responsável pelo metabolismo oxidativo hepático do Lopinavir (FLEXNER, 2012), não é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para nenhum nível de gravidade da doença, ou qualquer tempo de duração dos sintomas (OPAS, 2021;WHO, 2020). Essa recomendação se deu em razão de falta de evidências de que a terapia com Lopinavir/Ritonavir tenha melhorado itens importantes, como: redução da mortalidade, necessidade de ventilação mecânica e tempo até a melhora clínica. Além de evidências apontando que esse tratamento pode causar diarreia, náuseas e vômitos nos pacientes, utilizando 07 estudos publicados internacionalmente sobre o uso desses medicamentos em 7.429 participantes.

 

Design por Amanda Penetta

 

Referências Bibliográficas:

CHAN, K.S. et al. Treatment of Severe Acute Respiratory Syndrome with Lopinavir/Ritonavir: a Multicentre Retrospective Matched Cohort Study. Hong Kong Medical Journal, Hong Kong, v. 9, n. 6, p. 399-406, dez. 2003.

DONG, L.; HU, S.; GAO, J. Discovering Drugs to Treat Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Drug Discoveries & Therapeutics, [s. l.], v. 14, ed. 1, p. 58-60, fev. 2020. Disponível em:  https://www.ddtjournal.com/files/DDT_2020Vol14No1_pp1_60.pdf. Acesso em: 30 abr. 2020.

FLEXNER, C. Agentes antirretrovirais e tratamento da infecção pelo HIV. In: BRUNTON, L.L.; CHABNER, B.A.; KNOLLMANN, B.C. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. cap. 59, p. 1623-1664.

FORD, N. et al. Systematic Review of the Efficacy and Safety of Antiretroviral Drugs Against SARS, MERS or COVID‐19: Initial Assessment. Journal of the International AIDS Society, [s. l.], v. 23, ed. 4, 26 mar. 2020. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/jia2.25489. Acesso em 30 abr. 2020.

OPAS ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. COVID-19 Manejo Clínico: Orientação Dinâmica, 31 de março de 2021. 50p.

PARK, S.Y. et al. Post-exposure Prophylaxis for Middle East Respiratory Syndrome in Healthcare Workers. The Journal of Hospital Infection, Reino Unido, v. 101, ed. 1, p. 42-46, jan. 2019.

Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7114948/. Acesso em: 30 abr. 2020.

RÁCZ, Maria Lucia. Replicação Viral. In: TRALBUSI, L.R.; ALTERTHUM, F. Microbiologia. 6. ed. São Paulo: Atheneu, 2015. cap. 74, p. 631-42.

RECOVERY Collaborative Group. Lopinavir–ritonavir in Patients Admitted to Hospital with COVID-19 (RECOVERY): a Randomised, Controlled, Open-label, Platform Trial. The Lancet. v. 396, p. 1345 – 1352.

Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)32013-4. Acesso em: 14 abr. 2021.

WHO Solidarity Trial Consortium, Pan H, Peto R, Henao-Restrepo A-M, Preziosi M-P, Sathiyamoorthy V, et al. Repurposed Antiviral Drugs for Covid-19 — Interim WHO Solidarity Trial Results. NEJM 2020;384 497-511. Pubmed Journal.

YAO, T. et al. A systematic Review of Lopinavir Therapy for SARS Coronavirus and MERS Coronavirus — A Possible Reference for Coronavirus Disease‐19 Treatment Option. Journal of Medical Virology, v. 92, p. 556-63, 24 fev. 2020.

 

FICHA TÉCNICA:

Autor: João Pedro de Barros Fernandes Gaion, graduando em Medicina pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Atualização do Texto: João Pedro de Barros Fernandes Gaion, graduando em Medicina pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Revisora: Cristina Helena Bruno, Farmacêutica-Bioquímica pela FCFar-UNESP – Doutora em Ciências (Bioquímica, Biologia Molecular e Farmacologia) pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; professora Associada do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Revisão Linguística: Andréa Rosa Machado, médica veterinária, mestra em Saúde Animal pela UDESC, colaboradora da comunidade externa.

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

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Autor

  • Cristina Helena Bruno

    Farmacêutica-Bioquímica (UNESP,1994), Mestre em Ciências Biológicas (UNESP, 2000) e Doutora em Ciências (UFSCar, 2004). Pós-Doutora em Nanotecnologia Farmacêutica (UNESP, 2007-2009; 2014-2015). Docente do Curso de Farmácia (UFES, 2009-2017). Chefe da Unidade de Farmácia Clínica do HU-UFSCar (2015-2017) e docente do Curso de Medicina (UFSCar, 2017 – atual). Temas de interesse: infecção hospitalar/uso racional de medicamentos, Farmacologia Clínica, adesão à tratamento de doenças. Email: crishbruno@gmail.com

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