A ivermectina (22,23-diidroavermectinaB1a) é uma droga anti-helmíntica da classe das avermectinas, amplamente utilizada em infecções por artrópodes e nematoides parasitários. Em humanos, após a administração, o pico de concentração plasmática se dá em torno de 4 a 5 horas, e a meia-vida da droga é de cerca de 57 horas. A droga apresenta depuração lenta no organismo, amplo volume de distribuição, principalmente através de proteínas plasmáticas, com porcentagem de ligação de 93%, e metabolização majoritariamente hepática, por meio do CYP3A4 (MCCARTHY; LOUKAS; HOTEZ, 2012).

A droga possui ação antiviral, inibindo a entrada nuclear mediada por Importina Alfa/Beta, e o funcionamento da Integrase (WAGSTAFF et al., 2012). Um estudo in vitro (CALY,2020), em que pesquisadores cultivaram SARS-CoV-2 em células Vero/hSLAM, seguido de teste PCR para RNA viral do SARS-CoV-2, concluiu que a Ivermectina reduziu em até 93% a presença do material genético viral nas células.

 

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Entretanto, um estudo mais recente concluiu que, apesar da ação in vitro, a concentração necessária para que a ação antiviral seja alcançada não seria possível de ser alcançada in vivo, em pacientes com COVID-19, mesmo se utilizada em doses de ataque muito superiores à maior dose já testada em humanos (MOMEKOV, 2020).

A utilização da Ivermectina como parte do “kit Covid” ganhou visibilidade após a publicação de um estudo in vitro em abril de 2020. O referido estudo mostrou que o medicamento inibe a replicação do Coronavírus SARS-CoV-2 in vitro quando administrada dose quase 18 vezes acima da dose terapêutica.

É sabido que os resultados encontrados em estudos in vitro não se aplicam em estudos in vivo. Os resultados dos estudos in vitro são publicados para que grupos de pesquisa possam se nortear e decidir se vale ou não a pena dar continuidade aos estudos e realizar os ensaios in vivo. No caso específico da Ivermectina, só o fato da dose “efetiva” para inibir a replicação do Coronavírus SARS-CoV-2 ser quase 18 vezes maior do que a dose terapêutica já a torna totalmente inelegível para estudos in vivo.

 

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É cada vez mais comum pacientes chegarem aos hospitais com complicações pelo abuso dos medicamentos que integram o “kit Covid”. O risco maior é de interações medicamentosas significativas, pois a maioria desses medicamentos potencializa o efeito do outro. Entre os efeitos negativos da Ivermectina estão as doenças hepáticas, como degradação das células e parede do fígado e a hepatite medicamentosa, problemas de intestino, como diarréia, problemas relacionados a disfunções no sistema nervoso central, como tonturas, vômitos e sono profundo.

Quando utilizada para exterminar de vermes, a ivermectina é administrada por 2 a 3 dias, mas, no caso da Covid-19 as pessoas estão ingerindo 1 comprimido por dia durante 15 a 20 dias, o que é mais do que suficiente para comprometer o sistema hepático.

 

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Em nota conjunta, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação Médica Brasileira – AMB afirmam que as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no tratamento precoce para a Covid-19 até o presente momento.

Atualmente, a Organização Mundial da Saúde não recomenda o uso de Ivermectina em nenhum paciente com COVID-19 fora de estudos clínicos (OPAS, 2021). De acordo com o órgão, não há evidências com grau de certeza suficiente de melhora do desfecho dos pacientes para a indicação ao uso clínico. Além disso, seu uso pode se relacionar ao aumento do risco de Eventos Adversos Graves – EAGs, levando à descontinuação do tratamento.

 

Referências bibliográficas:

CALY, L. et al. The FDA-approved drug ivermectin inhibits the replication of SARS-CoV-2 in vitro. Antiviral Research, v. 178, 03/04/2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0166354220302011?via%3Dihub.  Acesso em: 04/05/2020.

LÓPEZ-MEDINA, E. M.D.; LOPEZ, P.; HURTADO, I.C.; DÁVALOS, D.M.; RAMIREZ, O.; MARTINEZ, E.; DÍAZGRANADOS, J.A.; OÑATE, J.M.; CHAVARRIAGA, H.; HERRERA, S.; PARRA, B.; LIBREROS, G.; JARAMILLO, R.; AVENDAÑO, A.C.; DILIAN, F.T.; MIYERLANDI, T.; LESMES, M.C.; RIOS, C.A.; CACIEDO,I.  Effect of Ivermectin on Time to Resolution of Symptoms Among Adults With Mild COVID-19 – A Randomized Clinical Trial. JAMA, v. 325, n.14, p.1426-1435, 2021.

Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2777389 Acesso em 14/04/2021.

MCCARTHY, J.; LOUKAS, A.; HOTEZ, P. Quimioterapia das infecções por helmintos. In: BRUNTON, L.L.; CHABNER, B.A.; KNOLLMANN, B.C. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. cap. 51, p. 1443-61.

MOMEKOV, Georgi; MOMEKOVA, Denitsa. Ivermectin as a potential COVID-19 treatment from the pharmacokinetic point of view: antiviral levels are not likely attainable with known dosing regimens. Biotechnology & Biotechnological Equipment , v. 34, ed. 1, 05/06/2020. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/citedby/10.1080/13102818.2020.1775118?scroll=top&needAccess=true. Acesso em: 13/04/2021.

OPAS ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. COVID-19 Manejo Clínico: Orientação dinâmica: OMS, 21/03/2021.

WAGSTAFF, K.M. et al. Ivermectin is a specific inhibitor of importin α/β-mediated nuclear import able to inhibit replication of HIV-1 and dengue virus. Biochemical journal, v. 443, p. 851-56, 1 maio 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3327999/. Acesso em: 04/05/2020.

 

FICHA TÉCNICA:

Autor: João Pedro de Barros Fernandes Gaion, graduando em Medicina pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Revisora: Cristina Helena Bruno, Farmacêutica-Bioquímica pela FCFar-UNESP- Doutora em Ciências (Bioquímica, Biologia Molecular e Farmacologia) pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; professora Associada do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.

Revisão Linguística: Milena Gimenes, graduação em Letras com habilitação em Tradução pela FCL-UNESP, colaboradora da comunidade externa.

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

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Autor

  • Cristina Helena Bruno

    Farmacêutica-Bioquímica (UNESP,1994), Mestre em Ciências Biológicas (UNESP, 2000) e Doutora em Ciências (UFSCar, 2004). Pós-Doutora em Nanotecnologia Farmacêutica (UNESP, 2007-2009; 2014-2015). Docente do Curso de Farmácia (UFES, 2009-2017). Chefe da Unidade de Farmácia Clínica do HU-UFSCar (2015-2017) e docente do Curso de Medicina (UFSCar, 2017 – atual). Temas de interesse: infecção hospitalar/uso racional de medicamentos, Farmacologia Clínica, adesão à tratamento de doenças. Email: crishbruno@gmail.com

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2 thoughts on “Atualização: Ivermectina e COVID-19

  1. Pedro Carrancho says:

    Será que alguma droga poderia potencializar a ação antiviral da Ivermectina sobre o coronavírus, permitindo seu uso terapêutico na Covid, sem efeitos tóxicos, mas obtendo a mesma eficácia daquela conseguida in vitro?

    • Cristina Helena Bruno says:

      Boa tarde Pedro, devido aos novos estudos comprovarem a ineficácia da Ivermectina no tratamento da Covid-19, os estudos foram, aos poucos, sendo encerrados. Em qualquer tratamento farmacológico teremos, em maior ou menor grau, efeitos colaterais,os quais podem ser atenuados, mas não totalmente suprimidos. Nos estudos in vitro você consegue controlar o ambiente, mas quando passamos a trabalhar nas fases clínicas, os resultados podem mostrar efeitos totalmente diversos.

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