Banhado por belezas naturais, com uma alta densidade de habitantes, um intenso fluxo de moradores de outros municípios vizinhos caminhando pelo território ao longo do ano e enfrentando uma pandemia. Com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) configurando como um dos maiores do país, o município de Niterói precisou adaptar a sua rotina para combater a COVID-19. Nesse contexto, a ampliação do cuidado preventivo na rede de Atenção Primária à Saúde em Niterói foi um importante recurso para minimizar os efeitos da pandemia.
De acordo com números divulgados em 3 de janeiro de 2021 pela Prefeitura Municipal, Niterói teve 23 304 pessoas infectadas pela COVID-19. Dessas, 628 vieram a óbito e 22 378 foram recuperadas. Mesmo mantendo 90% de taxa de recuperação do vírus, o município permanece em fase amarela nível 2, que corresponde a alerta máximo (segundo indicador do monitoramento de alerta do coronavírus).
A classificação define algumas normas. Uma delas é que todos os serviços considerados essenciais passam a funcionar sob um regime de 100% de ocupação (exceção ao comércio varejista de itens essenciais – mercados, farmácias e etc – com 75%. Outra delas diz respeito à indústria de serviços (lanchonetes, hotéis, entre outros) com 50% da ocupação, e aos trabalhadores. Por fim, cinemas, teatros e casas noturnas continuam fechadas por determinação oficial.
Além das restrições, aumentou os esforços de orientação, cuidados preventivos e contato com os moradores do território. Essas e demais táticas de mapeamento de Atenção Primária à Saúde em Niterói foi a estratégia adotada pelos profissionais da saúde.
Um pouco da história de Niterói

Imagem: Divulgação/ Arquivo O Globo
De 1834 a 1975, o município de Niterói foi a capital estadual do estado do Rio de Janeiro. Isso se deveu à política de “município neutro”, criada pela lei n.º16 de 12 de agosto de 1834. Tal lei definiu a cidade do Rio de Janeiro como um território independente, além de conservar o território como a capital do Brasil. Em seguida, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1891, o município do Rio de Janeiro também se tornou Distrito Federal.
Este fato perdurou até 1960, quando Brasília passou a ser a capital do Brasil e o município do Rio de Janeiro se tornou a capital do estado da Guanabara, chamado assim até 1975, com a junção de ambos os estados e a definição da cidade homônima como capital. Dessa forma, durante mais de um século, Niterói foi definida como a capital da província e, posteriormente, do estado do Rio de Janeiro (a cidade perdeu brevemente esse posto em 1892 para a cidade de Petrópolis, por conta da Revolta das Armadas, e recuperou em 1903) e se desenvolveu.
Esse desenvolvimento deu-se de diversas formas. Por estar localizada em uma região de extremo prestígio frente a política e a economia nacional, Niterói modernizou-se. Praças, parques, estações de tratamento de água e esgoto, entre outras obras públicas, foram realizadas. Um dos empreendimentos mais ousados do município foi a Ponte Rio-Niterói, inaugurada em 1974, cujo nome oficial é Ponte Presidente Costa e Silva, em homenagem ao presidente da Ditadura Militar que ordenou a obra. Outras construções famosas foram a Universidade Federal Fluminense (UFF), na década de 1960, e o Caminho Niemeyer, inaugurado em 1996 com a inauguração do Museu de Arte Contemporânea de Niterói – o MAC – (posterior ao período da cidade como capital fluminense).

Imagem: Divulgação/ O Globo
IDHM e infraestrutura de Niterói
Além das obras e do desenvolvimento de Niterói ao longo do século XX, a cidade também se fixou como um ponto de referência em qualidade de vida. De acordo com números divulgados pelo IBGE em 2020, a cidade conta com 515.317 mil habitantes, o que a coloca na 5.ª posição entre as cidades mais populosas do estado do Rio de Janeiro. Contudo, segundo dados do estudo Atlas Brasil, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro em 2010, o município ocupa a liderança entre as cidades fluminenses no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM).
De acordo com o documento O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro – Série Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, o IDH mensura a longevidade, educação e renda de um determinado território. Isso é, respectivamente, “a oportunidade de uma sociedade de ter vidas longas e saudáveis, de ter acesso a conhecimento, e de ter comando sobre os recursos, de forma a garantir um padrão de vida digno”, conforme o relatório. Unindo todos esses itens, Niterói ficou em 6.º lugar entre todas as cidades do Brasil com uma média “muito alta” na soma da longevidade, educação e renda proporcionada pela cidade.
Pioneirismo e história da Atenção Primária à Saúde em Niterói
Contabilizando 23 304 casos de infectados pelo novo coronavírus e 628 óbitos em decorrência da doença até o dia 3 de janeiro, conforme a Prefeitura Municipal, Niterói apresenta uma taxa de recuperação do vírus acima de 90%. E tamanho sucesso na mobilização e organização para o efetivo combate à doença não é por acaso e nem de hoje.

Imagem: Divulgação/Prefeitura Municipal de Niterói
Afinal, todo o preparo da rede pública de saúde do município começou há muito tempo, mais especificamente em 1979, quando o local foi um dos primeiros a organizar uma rede com unidades de Atenção Primária. “Niterói, desde o final da década de 1970, destacou-se no panorama nacional das Políticas de Saúde como município formulador e implementador de inovações no campo da Atenção Básica”, enfatiza o médico sanitarista e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF) Aluísio Gomes da Silva Júnior.
Dentre as tais primeiras inovações no campo da Atenção Básica, destaca-se a formulação do primeiro Plano Municipal de Saúde. Documento este responsável por estabelecer uma rede municipal de Unidades de Atenção Primária à Saúde em Niterói, com a articulação conjunta de unidades da Secretaria Estadual, da Previdência Social e da UFF.
Além disso, antecipou-se à implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), promovendo um processo de gerenciamento e incorporação de equipes multiprofissionais e Agentes Comunitários de Saúde nos territórios. O que se mostrou essencial para “introduzir vetores de descentralização em direção às comunidades periféricas de maior vulnerabilidade”, acrescenta Aluísio.
Não à-toa, o município vivia sua época de luta por um sistema de saúde básico que atendesse às necessidades de sua população. Até porque era 1978, ano em que a Declaração de Alma Ata incendiou o mundo ao conclamar por justiça social e saúde para todos. Difundido, ainda, a concepção de que a Atenção Primária é a base dos sistemas de saúde universais e de cuidado integral.
Conforme o próprio documento: “A Conferência reafirma enfaticamente que a saúde – estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade – é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”.

Imagem: Divulgação / Prefeitura Municipal de Niterói
A Declaração de Alma Ata frisa como os cuidados primários de saúde devem proporcionar serviços de proteção, prevenção, cura e reabilitação dos principais problemas de saúde de uma comunidade. Conceito que corresponde diretamente à definição de Atenção Primária estabelecida pela Portaria 648/GM de 28 de março de 2006, que instituiu a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), e que foi mantida nas atualizações da PNAB de 2012 e 2017. Documento onde os serviços de APS são compreendidos como “um conjunto de ações, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde (…) dirigidas a populações de territórios bem delimitados”.
Portanto, incendiada pela Declaração de Alma Ata e também pelo Movimento pela Reforma Sanitária – cujas propostas resultaram em 1988 na oficialização da Constituição Federal e na criação do SUS -, no início de 1980, a cidade de Niterói se articulou para a criação do Projeto Niterói. “O Projeto Niterói possibilitou ao município ultrapassar a etapa de SUDS (Sistemas Unificados de Saúde), esses vigentes no resto do país, para projetar-se num processo de municipalização radical do gerenciamento da saúde, antecipando em 1988 o que seria diretriz do SUS em 1990”, conta Aluísio.
Mais tarde, com a elaboração do SUS, foi criada a Fundação Municipal de Saúde (FMS), uma entidade autárquica de direito público responsável pela operacionalização do Sistema Universal de Saúde ao nível local. Em seguida, em 1991, foi a vez do Conselho Municipal de Saúde ser fundado na 1.ª Conferência Municipal de Saúde de Niterói. No evento, um novo Plano Municipal de Saúde foi elaborado e implantado, chegando a integrar unidades, definir atribuições assistenciais, criar três novos distritos sanitários e otimizar recursos para a ampliação da cobertura populacional e maior oferta de serviços.
Já em 1992, Niterói implantou, com a colaboração do Governo de Cuba, o Programa Médico de Família (PMF). “O PMF investiu na territorialização de sua atuação, estabelecendo comunidades adscritas em especial nas áreas de maior vulnerabilidade social e novos desenhos de equipe com foco nas famílias”, destaca Aluísio. Segundo o artigo “A experiência de Niterói no enfrentamento da COVID 19: notas preliminares sobre a articulação de políticas sociais e de saúde”, o PMF foi implantado em áreas de maior risco social e ambiental do município, aprofundando a articulação comunitária.
A atual rede de saúde
De acordo com o médico sanitarista Aluísio, o PMF foi o grande responsável por estabelecer novos processos de trabalho com forte atuação comunitária, fortalecendo e facilitando o acesso aos cuidados de saúde ao nível primário da população niteroiense. “Ao fim da década de 1990, Niterói se torna um destaque no panorama nacional em termos de sua política de saúde, tendo enfrentado com sucesso duas epidemias de Dengue, uma de Meningite e uma de Cólera”, evidencia o especialista.

Imagem: Divulgação/Prefeitura Municipal de Niterói
Assim, até agora, o trabalho proposto pelo PMF atua na organização e atendimento da população da cidade, tendo como centros de referência as Policlínicas Regionais. Aluísio explica que cada Policlínica é vinculada a um módulo; e o módulo, no que lhe concerne, fica instalado em um território definido. Por isso, cada módulo possui uma área de abrangência dividida em setores compostos, cada um, por 2000 pessoas cadastradas. “O PMF adotou a concepção de Grupo Básico de Trabalho, composto por um coordenador e uma equipe de supervisão responsável por aquele território”, diz.
O profissional ainda comenta que cada uma destas equipes de supervisão é atualmente composta por enfermeiro, médico internista, ginecologista, pediatra, sanitarista, assistente social e profissional de saúde mental. Além disso, durante o processo de compatibilização do PMF com a Estratégia de Saúde da Família (ESF) – modelo de saúde que visa à reorganização da Atenção Básica no Brasil – a supervisão do Programa foi reorganizada como NASF (Núcleo de Atenção à Saúde da Família), passando a ter cinco equipes com algumas delas incorporando fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.
Dessa maneira, conforme Aluísio, “o PMF (ESF) tem proporcionado assistência integral à população que vive em áreas de vulnerabilidade social, cobrindo 198.957 pessoas cadastradas, o que corresponde a cerca de 40% da população”. Segundo o professor e médico, os serviços de saúde presentes em Niterói englobam: 41 unidades de PMF (ESF); 101 equipes de saúde da família; 17 equipes de saúde bucal; uma equipe móvel de consultório de rua; cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS) tradicionais; um Centro de Especialidades Odontológicas para suporte do nível primário; 10 Policlínicas; cinco Unidades Hospitalares; uma rede de Atenção Psicossocial; e o Hospital Universitário da UFF(HUAP).
A UFF, inclusive, desempenha há anos um papel essencial na construção de experiências de Ensino-Serviços de Saúde em Niterói, conforme Aluísio. Por ser a principal Instituição de Ensino do município, é a que mais estabelece articulação com a prefeitura a respeito da saúde municipal – a despeito das diversas universidades e faculdades privadas presentes no território. Isso porque, já em 1980, a Universidade subsidiou discussões de reformas curriculares no curso de medicina e de outras profissões de saúde, bem como capacitou gestores da rede. Desde então, desenvolve um processo de integração entre ensino e serviços, que se intensificou a partir da implantação das Diretrizes Curriculares de Medicina.
Nesse sentido, a enfermeira de Saúde da Família Miriam Cunha também acentua a importância da UFF para a formação multiprofissional, gerando mão de obra qualificada no município. Atuando especificamente no PMF, a profissional afirma ainda haver muitos desafios a serem superados no exercício dos serviços de Atenção Primária à Saúde em Niterói. “Equipe incompleta que gera sobrecarga de trabalho; enfermeiros desgastados fisicamente e emocionalmente por assumirem tanto a parte administrativa quanto a gestão de pessoas, das clínicas e atendimentos; e a incerteza sobre o futuro, pois trabalhamos por contrato temporário”, lista.
Sistematização e organização no combate à pandemia
O primeiro caso confirmado de Sars-CoV-2 em Niterói foi registrado no dia 9 de março de 2020. Por isso, logo foi montado um Plano de Contingência com ações divididas nos eixos: medidas sanitárias e de proteção social; esta última voltada especialmente às camadas mais vulneráveis da população. Além, é claro, das medidas de reorganização do sistema de saúde, visando acolher os possíveis infectados.
Ações como o fechamento de espaços públicos, instalação de regime de trabalho home office para indivíduos pertencentes aos grupos de risco da doença, decreto oficial de isolamento na cidade, fechamento dos acessos ao território a não residentes e uma ampla campanha de conscientização dos moradores através de carros de som nas ruas e disque-denúncia foram algumas das primeiras iniciativas a serem tomadas pelo município, ainda em abril, de modo a evitar o alastramento do vírus.
Em relação às iniciativas da área da saúde, a enfermeira Miriam Cunha ressalta a disponibilização de seis leitos de isolamento nas unidades municipais, além dos já disponíveis nas unidades estaduais e federais, e a reativação do Hospital Oceânico exclusivamente para pacientes com suspeita de COVID-19. Em complemento, o artigo “A experiência de Niterói no enfrentamento da COVID 19: notas preliminares sobre a articulação de políticas sociais e de saúde” salienta a vigilância epidemiológica intensiva na testagem e acompanhamento dos infectados, e a contratação emergencial de 1300 profissionais de saúde de várias categorias para distribuição nos cuidados primários e emergenciais dos casos de coronavírus.
Já em relação aos serviços de Atenção Primária à Saúde em Niterói durante a pandemia, Miriam detalha que o atendimento acabou ficando restrito somente aos indivíduos com comorbidades, às gestantes, crianças menores de dois anos e aos sintomáticos respiratórios. “Mas não paramos com as vacinas e atendimentos de sintomas agudos. Separamos um espaço para avaliação dos casos de COVID-19, com 56 unidades para avaliação, testes rápidos e RC-PCR, e planilha de acompanhamento dos suspeitos de COVID-19 através de contato telefônico. E os Agentes Comunitários de Saúde continuam realizando visitas domiciliares, mesmo sem entrar na casa do usuário, paramentados com os Equipamentos de Proteção Individual (EPI)”, conta.
A atuação da Atenção Primária à Saúde em Niterói no combate ao vírus também mantém um laço forte com a comunidade. Articulados com os Centros de Referência em Atenção Social (CRAS) e com as escolas públicas para mapeamento da população vulnerável, algumas medidas de prevenção e proteção individual e coletiva foram tomadas como parte do eixo de medidas sanitárias do Plano de Contingência. Como informação e distribuição de Kits de limpeza (água sanitária, sabão, sabonete, álcool 70.º, e álcool gel); distribuição de máscaras de pano à população; e sanitização de vias públicas e comunidades.
O estabelecimento de um Comitê de Crise pela Prefeitura de Niterói com a UFF, Fiocruz e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também foi uma das medidas do Plano de Contingência. Assim, além de suspender as aulas e instituir um Comitê de Crise para traçar as providências para seus vários campi, a UFF se juntou às demais universidades cariocas e atuou na discussão e articulação de ações e providências no âmbito daquelas instituições e também no nível local e estadual.
Segundo Aluísio, algumas frentes de trabalho organizadas pela UFF foram o treinamento do uso dos EPIs para profissionais de saúde; a elaboração e execução de inquérito de testagem populacional em Niterói em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde; estruturação de leitos dedicados aos pacientes com COVID-19 no Hospital Universitário Antônio Pedro; fabricação de EPIs pela Escola de Engenharia para fornecer à UFF e à rede de Niterói; suporte remoto de saúde mental para trabalhadores da UFF e da Rede de Niterói, Volta Redonda e Santo Antônio de Pádua; educação permanente dos profissionais da Rede; produção de material de educação e comunicação em saúde e protocolos assistenciais; e apoio aos movimentos populares de solidariedade, garantia de renda e de comunicadores populares na disseminação de informações, combate às notícias falsas e vigilância das políticas públicas.
Proteção social e diálogo com as comunidades
Além das medidas sanitárias tomadas pelo Plano de Contingência, as medidas de proteção social representaram um grande diferencial no enfrentamento ao coronavírus em Niterói. Conforme o artigo “A experiência de Niterói no enfrentamento da COVID 19: notas preliminares sobre a articulação de políticas sociais e de saúde”, a utilização de recursos financeiros para garantir a renda da população menos favorecida da cidade fez com que grande parte aderisse às medidas de distanciamento social.
Assim, através do Programa de Renda Básica Temporária-PRBT, foi disponibilizada uma renda de R$500,00 por três meses às famílias de baixa renda, trabalhadores informais e Microempreendedores Individuais (MEI). Outra medida ainda envolveu ajuda às pequenas empresas pelo Programa de Empresa Cidadã, que pagou funcionários e empregados, e garantiu o impedimento de demiti-los por até seis meses.
Parte essencial da proteção social envolveu, ainda, a conscientização da população a respeito da importância do distanciamento social. Por isso, lives diárias nas redes sociais da Prefeitura Municipal tornaram-se canais permanentes de atualização dos casos de Sars-CoV-2 no município. Ademais, foram realizadas reuniões periódicas com vários setores da cidade para garantia e fortalecimento das estratégias de contenção do vírus.
Para além dos canais de comunicação oficiais da prefeitura, outros modos foram encontrados para disseminar informações de qualidade a respeito da pandemia em Niterói. Um deles foi o projeto Jovens Comunicadores +500, uma iniciativa da Bem TV, organização sem fins lucrativos que trabalha, desde 1992, com mídia e educação junto a adolescentes e jovens nos territórios populares de Niterói e São Gonçalo.
Segundo a jornalista da ONG e artista plástica Gabriella Marinho, a missão do projeto é formar jovens moradores de comunidades e áreas vulnerabilizadas de Niterói e São Gonçalo para serem comunicadores, identificar notícias falsas, checar e compartilhar informações sobre saúde. Dessa forma, a divulgação de notícias é feita por esses jovens, intensificando o acesso às informações e casos de COVID-9 nas periferias da região.
Conforme Paula Latgé, coordenadora de programas sociais na Bem TV, a rede de jovens comunicadores chegou a envolver 500 jovens, 14 organizações e movimentos sociais de base comunitária, e mais de 30 comunidades. “Os jovens produziram e adaptaram informações sobre a COVID-19 e direitos sociais, de forma que a linguagem fosse direta e adequada para cada realidade. Cada jovem era responsável por uma rede de transmissão, e as mensagens chegavam a mais de 120.000 moradores dos territórios envolvidos na ação”, conta ela.
De acordo com Gabriella e Paula, os jovens participaram de várias aulas teóricas e práticas sobre jornalismo e produção de conteúdo. Em seguida, ficaram responsáveis por construir uma lista de transmissão no WhatsApp, em que cada um possuísse 265 contatos. Depois, coletivamente, os 500 jovens produziram conteúdos e materiais relacionados à vacina, desmistificação de notícias falsas e número de casos da doença, tudo com o objetivo de reduzir a propagação do vírus e contando, ainda, com suporte de monitores, jornalistas e psicóloga. Desse jeito, as publicações foram distribuídas tanto nos celulares quanto nas redes sociais.
Entre os bons frutos da iniciativa, Paula destaca a produção de materiais específicos para os indivíduos pertencentes aos grupos de risco da doença, como idosos e grávidas; a ampliação do diálogo direto com os moradores das comunidades e poder local; a garantia de que os 500 jovens não deixariam o isolamento social para ter que trabalhar, visto que o projeto concedeu bolsas-auxílio aos comunicadores; e o fortalecimento da comunicação comunitária. “A comunicação comunitária atua como uma disputa de narrativa, narrativas hegemônicas que tendem a criminalizar e marginalizar a pobreza são enfrentadas quando vozes historicamente silenciadas ocupam o lugar de fala. Desta forma, o maior impacto é a possibilidade de outras narrativas circulando e contando os fatos e vivências a partir de uma perspectiva comunitária”, salienta Paula.
Os desafios e a importância do SUS
Se de março a maio de 2020 haviam apenas 774 casos de coronavírus confirmados em Niterói, a situação se agravou com o decorrer dos meses. Assim, mesmo a cidade tendo ganho um prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU), do Congresso Smart City e da Fira de Barcelona pela atuação no combate à pandemia em outubro de 2020, a flexibilização do isolamento social ocorrido a partir de agosto teve seus efeitos.
Segundo a enfermeira Miriam Cunha, todos diminuíram com o tempo os cuidados acerca da doença, aumentando as aglomerações e reduzindo o uso de máscaras nas ruas. “Acredito que o maior desafio hoje, com certeza, é a sensibilização da população em relação aos riscos. Eles ainda estão presentes, a pandemia não acabou!”, afirma Miriam. Por conta deste “relaxamento”, pela primeira vez desde o início da pandemia, o município registrou mais de mil casos de COVID-19 entre 11 e 17 de dezembro de 2020. Situação que se agravou com o registro de mais de 300 pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), elevando a taxa de ocupação hospitalar no SUS para 70%.
Para a enfermeira, além da falta de consciência da população, outro grande desafio presente no combate à pandemia em Niterói é a falta de apoio do Ministério da Saúde aos profissionais da área. “Nada foi feito pensando em nós, que dedicamos todo o nosso esforço para que tudo dê certo. Sei que estamos ali para trabalhar, mas o reconhecimento do nosso trabalho, de forma efetiva, serve como um estímulo para continuarmos na batalha mais renovados”, desabafa.
Mesmo com os desafios, Miriam avalia que o combate à pandemia em Niterói tem sido feito cotidianamente e é eficaz na medida em que segue e incentiva os protocolos instituídos. “Imagina se tivéssemos que pagar por cada atendimento? O SUS pode ter suas falhas, mas ele é fundamental para todos nós. O coronavírus veio nos lembrar que os cuidados com a higiene básica são primordiais para evitar doenças. Não devemos arriscar”, recomenda a profissional.
Texto de Daniele Olimpio e Matheus Rodrigo dos Santos