Para que uma pessoa possa ter qualidade de vida e a partir disto desenvolvê-la em diversos sentidos, alguns fatores são extremamente importantes, principalmente aqueles relacionados ao seu contexto e condições de vida. Desta forma, na maior parte dos países, inclusive o Brasil, foram desenvolvidas leis, programas e ações de assistência e proteção social, que visam a garantia de direitos e o desenvolvimento humano e, portanto, da própria sociedade.

Para que esses direitos possam ser garantidos e o desenvolvimento alcançado é indispensável que algumas dessas ações se pautem na segurança socioassistencial, que são esperadas nas relações de convívio ou vivência familiar, de acolhida e de sobrevivência.

No Brasil, essas ações foram possibilitadas e demandadas a partir da Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, que trouxe uma visão atualizada para os serviços de Assistência Social. A temática do trabalho da Assistência Social no Brasil foi amplamente discutido no texto “Conheça o SUAS”.

No período de pandemia de COVID-19, foram adotadas medidas protetivas como o distanciamento e isolamento social aplicadas desde março de 2020, assim também a Assistência Social, com seus diversos instrumentos, teve que modificar suas ações e, desse modo, suprir as demandas dessa população, principalmente daqueles em situação de risco como os profissionais, parceiros e serviços terceirizados. Desta forma, várias ações de prevenção e proteção ao COVID-19, além de outras situações que foram agravadas pela pandemia, foram realizadas, especialmente por atividade remota. Dessas ações, destacam-se as emergenciais como a doação de cestas básicas, de itens de higiene, a confecção e doação de máscaras.

A população LGBTQIA+ está entre as consideradas vulneráveis quanto ao cumprimento de seus direitos humanos, incluindo os de acesso aos serviços de saúde e respeito social. Uma das formas de violação desses direitos ocorreu de forma “autorizada” pelos setores científicos, com a marcação das orientações sexuais e identidades de gênero dentro da sigla o que as identifica como patologia. Muitos julgamentos morais e estigmatizantes têm origem no discurso religioso, este que impede a compreensão e relação de empatia com o outro, provocando a LGBTfobia, dando margem também a outras violações de direitos inclusive a violência cotidiana dentro de suas casas.Sendo assim, essa parte da população deve ser  foco de atuação da Assistência Social.

Essas ações são organizadas de forma regional, desta forma não acontecem igualmente em todos os locais. Na cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo, a Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos é responsável por um Centro de Referência LGBT (CR LGBT), que busca dar apoio Psicossocial para essa população na região. Conversamos com Rhenan Augusto Medéa Inácio, psicólogo voluntário, e Bárbara Dalcanale Menêses, psicóloga responsável do CR LGBT Campinas, para entender melhor como funciona esse trabalho.

(Entrevistadora): Como foi a criação do CR? Qual foi a demanda que vocês notaram pra isso?

(Rhenan e Bárbara) Os movimentos LGBT+ foram fundamentais para a criação do CR. Foi através da participação (e pressão) desses movimentos no orçamento participativo entre 2001/2002 e a busca por um serviço que fosse especializado para essa população que o Centro de Referência foi criado, pois os serviços existentes da época (Saúde e Assistência Social) não tinham conhecimento necessário para trabalhar com essa população. Os três movimentos na época (Identidade, Mo.Le.Ca e Aos Brados) cobravam da prefeitura um serviço que pudesse prestar assistência psicológica, social e jurídica para a população LGBT+.

(E): Quais as ações que vocês realizam? E quais profissionais vocês têm no CR?

(R e B): Toda e qualquer demanda que envolva a população LGBTQIA+ e seus familiares são atendidas pelo Centro de Referência que hoje conta com uma dupla Psicossocial, uma assistente administrativa e uma assistente de serviços gerais.

Os serviços oficiais são atendidos pela dupla psicossocial, mas o CR tem suas parcerias voluntárias como: Libras, Capoeira, Inglês, Dança do ventre, dentre outras atividades. Recentemente foi firmado uma parceria com alguns profissionais e criado em conjunto a eles o cursinho pré-vestibular Marielle Franco. E para facilitar, o cursinho conta com monitoras para que as pessoas com filhos pequenos possam estudar sem precisar se preocupar.

Fora essas atividades têm os estagiários que muitas vezes se formam, mas continuam como voluntário.

(E): Qual a maior demanda que chega em vocês da população LGBTQIA+?

(R e B): Atualmente o público Transgênero tem sido a maior demanda, seja pela procura de informações referentes a transição, laudo e encaminhamento ou por apoio psicológico referente a disforia de gênero.

No geral, ansiedade, depressão, ideação e tentativa de suicídio são as queixas que mais permeiam essa população.

(E): Quais as demandas que estão chegando em vocês nesse período de pandemia? Vocês notaram que algo mudou do período anterior?

(R e B): Por conta da quarentena o espaço físico do CR está fechado, mas os acompanhamentos continuam online.

Essa pandemia mudou muita coisa na percepção das pessoas. Além dos sentimentos de ansiedade e medo que já acompanham essa população e foram agravados porque muitas vezes a fonte de preconceito e agressão (física e/ou verbal) está dentro de casa, houve também um movimento de olhar para si das pessoas e com isso muitas pessoas acabaram se entendendo ou se reconhecendo ou mesmo se assumindo, e com isso o ciclo se reinicia, a ansiedade e a pressão familiar/social aumentam e assim a busca por acompanhamento e assistência psicológica.

(E): Qual o maior problema para população LGBTQIA+ que vocês estão notando nessa pandemia?

(R e B): Além das questões “básicas” já que envolvem ansiedade e depressão, houveram (como eu havia dito na questão acima) duas demandas que são relativamente novas, uma delas é o fato de que agora por conta da quarentena ninguém mais sai de casa, então você acaba sendo obrigado a ficar no ambiente onde muitas vezes os agressores também convivem, isso agrava demais na ansiedade, na depressão, na angústia, etc…

Com a quarentena muitas pessoas começaram a olhar mais para si e com isso acabaram se assumindo mais, só que como eu disse o ciclo acaba se reiniciando porque você se assume, mas não consegue ficar longe do ambiente que te causa angústia e a ansiedade só aumenta.

Houveram também alguns casos de retrocesso, muitas pessoas por exemplo que não praticavam o cutting (autolesão) a anos voltaram a ter essa prática por conta da pressão social e familiar que o ambiente em que vivem proporciona. Antes essa pessoa poderia se esquivar ou fugir de alguma forma do ambiente que causava angústia hoje ela não tem mais essa possibilidade.

 

Desta maneira, nota-se a importância do trabalho de cuidado com pessoas LGBTQIA+, buscando romper com as violências e violações cotidianas e assim, construir melhores condições de vidapara diversidade.

Agradecemos a participação dos psicólogos Rhenan e Bárbara pela disponibilidade para conversar conosco sobre o seu tão importante trabalho.

Versão em Libras:

 

Texto e entrevista por
Carolina Serrati Moreno, estudante de psicologia da UFSCar

Colaboração do Grupo Temático Diversidade e Cidadania:
Amanda Lélis Angotti Azevedo
Andressa Soares Junqueira
Beatriz Barea Carvalho
Camila Felix Rossi
Carla Regina Silva
Flávio Adriano Borges
Glieb Slywitch Filho
Jhonatan Vinicius de Sousa Dutra
Larissa Campagna Martini
Letícia de Paula Gomes
Natália Pressuto Pennachioni

Créditos da imagem: Freepik no Freepik

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Autor

  • Flávio Adriano Borges

    Docente Departamento de Enfermagem da UFSCar. Tutor da Liga Acadêmica de Diversidade em Saúde (LADieS) e trabalha a temática voltada à Atenção à Saúde da População LGBTQIA+.

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