A infância e a adolescência são marcadas por intenso crescimento e desenvolvimento, com alterações na composição corporal e maturação de órgãos e sistemas. Para isso, o adequado atendimento das necessidades nutricionais inclui macro e micronutrientes, fibras e líquidos suficientes para promover o crescimento e o desenvolvimento adequados, evitando carências nutricionais e prevenindo agravos à saúde (Nogueira de Almeida et Mello, 2016 p39).
Os macronutrientes são mais conhecidos e são aqueles que fornecem energia, como lipídeos e carboidratos, e os construtores, como as proteínas. Os micronutrientes são aqueles que, apesar de necessários em quantidades menores, são essenciais para diversas funções do corpo. Pensando na construção de um corpo, como a montagem de um quebra-cabeça com peças grandes e pequenas, porém todas necessárias para que fique montado de forma adequada.
Então surgem diversos conceitos, alguns mais famosos, como o termo desnutrição, que envolve a falta de macro e micronutrientes, e a tão desejada nutrição adequada. Ainda existem outros termos, como hipernutrição com excessos de macronutrientes levando a sobrepeso e obesidade e de micronutrientes para o excesso de vitaminas, por exemplo (Nogueira-de-Almeida et al, In: Ribas Filho et Suen, 2013). O ideal para o crescimento e o desenvolvimento adequados é que macro e micronutrientes sejam absorvidos em frequência e quantidade adequadas para evitar disfunções.
Pensando nisso, a qualidade dos alimentos pode interferir no risco de deficiência de nutrientes que podem comprometer o funcionamento do organismo, mesmo na falta de apenas um micronutriente, a exemplo temos o ferro, que interfere na imunidade, na formação das hemácias e sua deficiência tem repercussão inclusive no desenvolvimento cognitivo. Sabendo disso, uma alimentação rica e balanceada para as crianças abre possibilidades para que ela possa alcançar todo o seu potencial de saúde física e cognitiva. A variedade de alimentos, em especial frutas, legumes e verduras, favorece a diversidade de acesso a micronutrientes e a oportunidade de balanceamento de qualidades e quantidades desses.
O sistema imune do corpo humano tem forte ligação com a situação nutricional, de forma que diversos micronutrientes estão associados à capacidade de defesa do organismo. O sistema imune é responsável por exercer barreira contra agentes externos, favorecer a defesa contra doenças e controlar a imunidade celular (células específicas que são direcionadas para a defesa) e a imunidade humoral, que é marcada pela produção de proteínas (imunoglobulinas) que identificam e auxiliam na eliminação de agentes agressores. Nesse contexto, os micronutrientes atuam como facilitadores das funções de células e de imunoglobulinas e na sua ausência ou deficiência a imunidade (capacidade do organismo se defender) pode estar prejudicada. (Gombart, Pierre et Maggini, 2020).
Num momento de pandemia, diversos estudos têm apresentado relação de deficiência de micronutrientes com a imunidade para o Coronavírus, entretanto, é consenso a necessidade de uma alimentação balanceada de macro e micronutrientes para uma imunidade adequada, independente do agente agressor.
Dessa forma, abordaremos com maiores detalhes alguns dos micronutrientes relacionados com a imunidade, exemplificando com alguns alimentos.
Deficiência de micronutrientes e a fome oculta
Micronutrientes são definidos como substâncias presentes nos alimentos essenciais para a saúde humana, conhecidos como vitaminas e minerais. Estima-se que a desnutrição de micronutrientes como ferro, iodo, zinco e vitamina A, afete cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Conhecida como fome oculta, a deficiência de micronutrientes é de natureza difusa e engloba consequências econômicas e sociais (Ruel-Bergeron et al., 2015). A desnutrição por micronutrientes se desenvolve quando a ingestão não atinge os requisitos necessários para um bom desenvolvimento do indivíduo e suas consequências incluem redução da produtividade do trabalho em adultos; aumento da morbidade; desenvolvimento físico e mental prejudicado nas crianças e o aumento das taxas de mortalidade, especialmente entre as mulheres e crianças.
A biodisponibilidade e a densidade dos micronutrientes na dieta são fundamentais para evitar as deficiências. Dessa forma, é importante um acompanhamento profissional, principalmente no início da introdução alimentar das crianças, para que a quantidade e a proporção de nutrientes sejam ofertadas de maneira adequada para um melhor desenvolvimento desses indivíduos. Uma dieta nutricionalmente adequada deve conter uma variedade de alimentos de diferentes grupos alimentares. Entretanto, a principal causa de desnutrição por micronutrientes em populações de baixa renda ocorre devido à falta de acesso a esta variedade de alimentos. Além disso, essas populações dependem de fontes de calorias mais baratas, como os tubérculos e os cereais, que embora atendam às necessidades energéticas, são alimentos que ofertam pouco micronutrientes. As frutas, verduras e produtos de origem animal (carnes e lácteos), são alimentos cuja densidade de micronutrientes é elevada, em contrapartida, apresentam um valor de custo mais elevado quando comparado aos cereais e tubérculos, o que impossibilita o acesso da população de baixa renda (Bouis et al., 2011).
Deficiência de Vitamina A
Em 2013, a OMS estimou que 33% das crianças menores de 5 anos e 15% de todas as mulheres grávidas sofrem de deficiência subclínica de vitamina A, resultando em maior risco de mortalidade infantil, além de menor imunidade dessa população (Black et al., 2013; Ruel-Bergeron et al., 2015). A hipovitaminose A, ou seja, a deficiência de vitamina A, se não tratada, acarreta uma síndrome ocular, conhecida como xeroftalmia, que pode conduzir a um quadro irreversível de cegueira. A deficiência de vitamina A ocorre principalmente em pré-escolares e aparece especialmente entre a população de baixo nível socioeconômico, que vivem em condições sanitárias pouco satisfatórias e não tem acesso a uma alimentação nutricionalmente balanceada (Souza e Boas, 2002).
Fontes de vitaminas A:
- Origem vegetal: cenoura, batata doce, abóbora madura, moranga, mamão, couve, espinafre, folhas de beterraba e de cenoura, alface, agrião, milho.
- Origem animal: leite integral, gema de ovo, peixe, queijo, fígado, manteiga.
Deficiência de Ferro
A deficiência de ferro está entre as mais comuns do mundo, afetando 1,62 bilhões de pessoas em diferentes fases da vida e causando graves consequências para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças. O ferro é um mineral importante e componente de uma série de proteínas, incluindo a hemoglobina e as enzimas. A deficiência de ferro ocorre quando as quantidades desse mineral são insuficientes para a manutenção de funções fisiológicas normais. Este quadro irá acarretar em complicações que podem começar no período da gravidez, desta forma, os efeitos desta deficiência apresentam consequências mais graves para as gestantes e as crianças pequenas, que representam cerca de 20% das pessoas que são afetadas (Balarajan et al., 2011; Penã-Rosas et al., 2015; Ruel-Bergeron et al., 2015).
Fontes de ferro:
- Origem animal: carne vermelha
- Origem vegetal: vegetais verde-escuros (espinafre, brócolis); leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha); tofu (queijo de soja); cereais integrais (aveia, quinoa); castanhas. O ferro nas fontes vegetais tem baixíssima biodisponibilidade, o que significa que uma porcentagem extremamente baixa é absorvida. Sendo assim, essas fontes devem ser consideradas apenas como coadjuvantes, mas não podem ser usadas para manter o estado nutricional de ferro.
Deficiência de Zinco
O zinco é associado ao crescimento linear e a imunidade. Apesar da dificuldade em medir com precisão o status do zinco, os estudos têm mostrado que 17% da população mundial apresentam risco de sua deficiência (Ruel-Bergeron et al., 2015)
A deficiência de zinco irá acarretar em diversos problemas para a saúde. Primeiramente ocorre um quadro de mobilização das reservas funcionais e, com a deficiência prolongada, podem acarretar retardo no crescimento e defeito no desenvolvimento fetal; anorexia; intolerância à glicose devido a diminuição na produção de insulina; atraso na maturação sexual e esquelética; desordens de comportamento; dificuldade de aprendizado e memória. Os estudos têm demonstrado uma prevalência desta deficiência em países em desenvolvimento, ressaltando um aumento nos quadros de diarreia, pneumonia, retardo do crescimento e desenvolvimento cerebral prejudicado (Hambidge, 2000). Além disso, Black e Sazawal (2001) e Strand et al. (2002) apontam que as crianças que foram suplementadas com zinco, apresentaram menor incidência de pneumonia e diarreia, quando comparadas às crianças que não fazem suplementação.
Fontes de zinco:
- Origem animal: carnes vermelhas, de aves e peixes
- Origem vegetal: leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha); amêndoas, milho, amendoim cru, floco de aveia.
É importante ressaltar que o grupo das carnes possui maior biodisponibilidade de zinco.
Transição Nutricional e a Fome Oculta
O Brasil passou por importantes processos de mudanças na saúde e doença nos últimos anos. Foram observadas alterações na qualidade da dieta e essas mudanças estão associadas a novas formas de estilo de vida, nas condições sociais, demográficas e econômicas. Apesar do desenvolvimento científico e da melhoria das condições econômicas e dos programas de suporte social, o Brasil está entre os países com maior prevalência em deficiências nutricionais. Os pesquisadores apontam este fato para o processo denominado como transição nutricional, em que houve um aumento expressivo de indivíduos com sobrepeso e obesidade. São inúmeros os fatores que contribuíram para a transição nutricional: a migração da população da área rural para a área urbana; a inserção da mulher no mercado de trabalho; o aumento do consumo de alimentos industrializados e fast foods; sedentarismo. Como consequência, foi observado um excesso de consumo de açúcares, sódio e gorduras. Este fato gerou um quadro de excesso calórico, portanto há uma elevada ingestão de macronutrientes (lipídeos, carboidratos e proteínas) e uma deficiência no consumo de micronutrientes (minerais e vitaminas) (Souza, 2010).
As modificações no padrão de comportamento alimentar acarretaram mudanças no perfil de saúde da população. Persiste elevada prevalência do sobrepeso e da obesidade, entretanto, esses indivíduos apresentam quadros significativos de deficiência de micronutrientes. Esta nova desnutrição decorrente da adoção dos hábitos alimentares errôneos acarretando em carência não explícita dos micronutrientes tem se tornado um problema nutricional prevalente em todo o mundo. Foi observado que o número de famílias afetadas pela fome oculta é maior que o daquelas com desnutrição calórica. Desta maneira, vale ressaltar a importância de uma dieta nutricionalmente equilibrada, o que irá diminuir os riscos de distúrbios e transtornos alimentares graves. Apesar da fome oculta acarretar sérios riscos para a saúde, desde anemias e doenças degenerativas e certos tipos de cânceres, ela nem sempre é percebida (Hack e Santos, 2012). O que reforça a necessidade do consumo equilibrado de frutas, verduras, legumes e grãos, além de carnes e lácteos. É de suma importância melhorar a qualidade da alimentação de toda a população e ressaltar que cumprir o aporte calórico não necessariamente está nutrindo o indivíduo.
Referências
Balarajan, Y., Ramakrishnan, U., Özaltin, E., Shankar, A.H,, Subramanian, S.V. Anaemia in low-income and middle-income countries. Lancet. 378(9809):2123–35. 2011.
Black, R.E., Victora, C.G., Walker, S.P., Brutta, Z.A., Christian, P., Onis, M.D.Maternal and child undernutrition and overweight in low-income and middle-income countries. Maternal and Child Nutrition. 2013.
Bouis, H.E., Eozenou, P., Rahman, A. Food prices, household income, and resource allocation: socioeconomic perspectives on their effects on dietary quality and nutritional status. Food Nutr. Bull., 32 (1), pp. S14-S23. 2011.
Hack, J.A.S., Santos, S.A.D. Atividades interativas e de pesquisa para abordagem do tema: alimentação e fome oculta. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense. 2012.
Hambidge, M. Zinc and Health: Current Status and Future Directions. Journal of Nutrition. 2000.
Peña-Rosas, J.P., De-Regil, L.M., Garcia-Casal, M.N., Dowswell, T. Daily oral iron supplementation during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2015.
Ruel-Bergeron, J. C. ; Stevens, G.A.; Sugimoto, J.D.; Roos, F.F.; Ezzati, M.; Black, R.E.;. Kraemer, K. Global Update and Trends of Hidden Hunger,1995-2011: The Hidden Hunger Index. PLOS ONE. 2015.
Souza, E.B.D. Transição nutricional no Brasil: análise dos principais fatores. Cadernos UniFOA. 2010.
Strand, T.A., Chandryo, R.K., Bahl, R., Sharma, P.R., Adhikari, R.K., Bhandari, N., et al. Effectiveness and efficacy of zinc for the treatment of acute diarrhea in young children. Pediatrics. 109(5): 898-903. 2002.
Nogueira-de-Almeida CA, Mello ED, Melllo PD Avaliação do estado nutrológico infantojuvenil IN: RIBAS FILHO, Durval; SUEN, Vivian Marques Miguel. Tratado de nutrologia. Tratado de nutrologia. 2013. p. 45-60 .
Gombart, Adrian F.; Pierre, Adeline; Maggini, Silvia. A review of micronutrients and the immune System–Working in harmony to reduce the risk of infection. Nutrients, v. 12, n. 1, p. 236, 2020.
Nogueira-de-Almeida CA, Mello ED. Nutrologia Pediátrica – Prática Baseada em Evidências: Manole; 2016.
Autoria
Gabriela Fernandes Del Vale
Deborah Carvalho Cavalcante
Carlos Alberto Nogueira de Almeida
Monika Wernet
Patrícia Carla de Souza Della Barba
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