Dedicamos esta publicação à posteridade que está por ser construída e
a todas as pessoas LGBTQIA+ que sofrem violência ao invés de serem acolhidas. Ubuntu.

 

Ao pensarmos em saúde e nas suas práticas intrínsecas, algo precisa estar bem definido: ou existe racismo ou saúde; LGBTfobia ou saúde; machismo ou saúde. Já nasce uma barreira no acesso à saúde no momento em que há um contato mediado por preconceitos entre um profissional dessa área com um paciente. Quem não é respeitado por sua diversidade e especificidade não estabelece vínculo com os profissionais e nem retorna aos serviços de saúde, dificultando o cuidado longitudinal e de qualidade.

Essa é uma das maiores barreiras apresentadas, por exemplo, pela população trans, que, na maioria das vezes, não encontra respostas às suas necessidades de saúde, sendo vítimas de discriminações, preconceitos e violência por parte dos próprios profissionais de saúde. Tal fato, culmina com a desassistência dessa população, que procura por atendimento apenas em casos extremos de adoecimento (ROSA et al, 2019).

 

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Precisamos nos atentar ao fato de que essas populações, oprimidas sistematicamente, além de tudo, têm seu direito fundamental à saúde retirado. Podemos caracterizar isso como uma violência social de privação. Reverter isso não é uma batalha individual, não diz respeito apenas às violências que reproduzimos. Por isso, nós, sujeitos promotores de saúde, não podemos deixar de colocar o debate na esfera social, pois é urgente que pensemos em formas de solucionar tais conflitos, a fim de prevenir que nossa comunidade continue reproduzindo violência.

A violência foi incluída na agenda da Organização Mundial da Saúde. Apesar de não ter sido considerada uma questão de saúde por muito tempo, hoje, globalmente, é um aspecto importante para os profissionais da área, já que devemos entender o processo saúde-doença como um fenômeno determinado pelas esferas sociais que envolvem o sujeito.

Nesse sentido, adentramos à discussão dos determinantes sociais da saúde, que diferem da determinação social da saúde, mas que ambas se encontram presentes na violência, influenciando a vida de cada indivíduo. A determinação social da saúde corresponde a uma perspectiva surgida, especificamente, no final dos anos 1970, buscando questionar as insuficiências das práticas biomédicas em trazer soluções satisfatórias à melhoria das condições de saúde das populações em geral, marcando, a entrada da corrente social dentro do contexto da saúde. Já os determinantes sociais da saúde possuem uma articulação contextual advinda da análise sobre as desigualdades nas condições de vida das populações, no acesso aos serviços assistenciais, na distribuição de recursos de saúde e nas questões referentes à morbi-mortalidade dos diferentes grupos sociais (GABOIS, SODRÉ, DALBELLO-ARAUJO, 2017).

O que pode ser considerado como “escolha”, “opção”, “estilo de vida” para muitos, na verdade, consiste em mais um fator intrínseco que intersecciona os determinantes sociais da saúde, somando-se às questões étnico-raciais de classe, de gênero, entre outras. O Sistema Único de Saúde (SUS) nos permite – e devemos incentivar – a promoção de práticas emancipatórias. Por isso trouxemos esse debate ao InformaSUS, para que pensemos em intervenções dialógicas nas unidades de saúde, sensibilizando as atuais gestões e suas equipes que atendem às diversas populações adscritas aos diferentes territórios. Discutir e refletir nosso processo de trabalho, à luz dessa questão, é reflexo da falta de preparo dos profissionais desde nossa formação nas instituições de ensino em saúde. Pouco acessamos às pautas LGBTQIA+ de gênero, de sexualidade e de negritude e, quando acessamos, é por uma busca individual e não pela política pedagógica de maneira ampla e coletiva.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, existem etapas a serem seguidas na elaboração de uma proposta ou política de prevenção à violência. Assim, é possível elaborar propostas científicas e, consequentemente, mais eficientes. O primeiro passo consiste em examinar o máximo de conhecimentos básicos sobre a violência: sua extensão, objetivos, características e consequências nos mais diversos níveis de abrangência (local, nacional e internacional), além de investigar o porquê que a violência ocorre, ou seja, seus fatores relacionados, que podem aumentar ou diminuir seus riscos. Portanto, é preciso analisar fatos que podem ser modificados por meio de intervenções, usar as informações acima para explorar as formas de prevenção através do planejamento,monitoramento e execução, avaliar as intervenções feitas e extrapolar o que foi realizado, a fim de determinar custos e eficácias desses programas, caso ele seja  considerado eficaz para diversos cenários.

 

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Parte da investigação é abranger as experiências destes grupos e entender a violência sofrida por eles(as). Só ouvindo essas vozes, conseguiremos melhorar, significativamente, nossas práticas. Ao garantir espaços igualitários e escuta ativa, desmarginalizaremos as diversidades, que são usualmente menosprezadas. Então, é preciso, juntos, gerar conhecimento que deem subsídios para intervenção da prevenção dessas opressões. Essas violências estão arraigadas na nossa cultura e sociedade, sendo muito reproduzidas e pouco discutidas através de métodos para superá-las.

De fato, precisamos de uma ampla mudança cultural para que alguns paradigmas sociais e preconceitos sejam desconstruídos e, com isso, consigamos atingir nosso objetivo, buscando uma “revolução de nossas determinações sociais” dentro deste sistema opressor. Ao radicalizar os processos de participação popular, facilitando as intervenções e a criação de normas por meio de profissionais capacitados e sensibilizados com maior representatividade das populações, favoreceremos o exercício de pensar em políticas públicas dialeticamente, abarcando as necessidades e especificidades das populações plurais e diversas, prevenindo e sanando as agressões direcionadas a esses grupos.

 

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Texto por
Amanda Lélis Angotti Azevedo
Natália Pressuto Pennachioni

Colaboração do Grupo Temático Diversidade e Cidadania:
Andressa Soares Junqueira
Beatriz Barea Carvalho
Camila Felix Rossi
Carla Regina Silva
Carolina Serrati Moreno
Flávio Adriano Borges
Glieb Slywitch Filho
Jhonatan Vinicius de Sousa Dutra
Larissa Campagna Martini
Letícia de Paula Gomes

 

REFERÊNCIAS 

  • Governo Federal (Br). Diretrizes para Organização das Redes de Atenção à Saúde do SUS. 2010; p.12. Disponível em: http://www.saude.gov.br/images/pdf/2016/maio/18/2-B—Documento-de–Diretrizes-para-Organiza—-o-das-Redes-de-Aten—-o—-Sa–de-do-SUS.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2020.
  • DAHLBERG, Linda L; KRUG, Etienne G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, 2007.
  • GARBOIS, J. A.; SODRÉ, F.; DALBELLO-ARAUJO, M. Da noção de determinação social à de determinantes sociais da saúde. Saúde Debate, 2017.
  •  Rosa DF, Carvalho MV de F, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa A da S. Assistência de enfermagem à população trans: gêneros na perspectiva da prática profissional. Revista Brasileira de Enfermagem. 2019; 72(Supl1):311-319.

Créditos da imagem: The Gender Spectrum Collection

Veja também:

Autor

  • Flávio Adriano Borges

    Docente Departamento de Enfermagem da UFSCar. Tutor da Liga Acadêmica de Diversidade em Saúde (LADieS) e trabalha a temática voltada à Atenção à Saúde da População LGBTQIA+.

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