Em tempos de pandemia, é muito comum que grande parte das informações divulgadas esteja voltada à COVID-19. Contudo, é importante nos atentarmos ao acompanhamento de outras doenças que afetam nossa população e suas possíveis relações com o coronavírus. Nesse sentido, gostaríamos de abordar neste artigo uma doença considerada rara, mas que é a segunda maior causa de incapacidade neurológica em pessoas jovens.
A Esclerose Múltipla
Definindo de uma maneira bem objetiva: é uma doença neurológica (afeta nosso sistema nervoso); crônica (de longo prazo); e autoimune (aquela em que as células de defesa de nosso organismo invertem seu papel funcional e atacam o próprio sistema nervoso), causando lesões no cérebro e na medula. A forma mais comum se dá em fases de aparecimento (surtos) e desaparecimento (remissão) de sintomas. Além disso, sabe-se que é mais comum em mulheres brancas, entre 35 e 50 anos. A Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) estima que 35 mil brasileiros tenham a enfermidade.
Sabe-se, atualmente, que se trata de uma doença que afeta a bainha de mielina, uma parte da célula do sistema nervoso. Contudo, infelizmente, sua causa ainda é desconhecida, mas alguns fatores podem estar envolvidos no seu aparecimento: predisposição genética e fatores ambientais, como infecções virais; baixos níveis prolongados de vitamina D; obesidade; tabagismo.
Antes de continuarmos, é importante esclarecer alguns pontos sobre a Esclerose Múltipla:
Dentre os sintomas, os mais percebidos são:
- Cansaço intenso e incapacitante, mais comum quando a pessoa faz um esforço físico intenso ou se expõe ao calor;
- Alterações ligadas a fala e deglutição, como fala lenta, palavras arrastadas, voz trêmula e dificuldade para engolir;
- Visão embaçada ou visão dupla;
- Perda de equilíbrio, tremores, instabilidade ao caminhar, vertigens e náuseas, falta de coordenação e fraqueza geral;
- Rigidez de um membro ao movimento, que acomete principalmente os membros inferiores, além de possíveis sensações de queimação ou formigamento em uma parte do corpo;
- Alguns transtornos cognitivos (aqueles que afetam funções ou capacidades mentais), sendo o mais frequente o comprometimento do processamento da memória e da execução de tarefas;
- Possíveis sintomas da nossa saúde mental como sintomas depressivos, ansiosos, transtornos de humor, irritabilidade e transtorno bipolar (flutuação entre estados depressivos e de mania);
- Disfunção erétil nos homens e diminuição de lubrificação vaginal nas mulheres.
E o tratamento? Como não há cura, consiste basicamente em medicamentos que reduzem a atividade inflamatória (imunomoduladores) e a agressão ao tecido nervoso (imunossupressores). Ambos tratam os sintomas para melhorar a qualidade de vida. Além do tratamento medicamentoso, há um trabalho muito importante de neurorreabilitação – redução dos sintomas da doença – que pode ser realizado por meio de muitas perspectivas como psicologia, neuropsicologia, fisioterapia, arteterapia, fonoaudiologia, fisioterapia, neurovisão e terapia ocupacional e terapias de apoio – neurologia, psiquiatria, medicina preventiva, urologia, tratamentos físico e espiritual.
Esclerose Múltipla e COVID-19
Mesmo sendo uma doença inflamatória desmielinizante (em que as tais bainhas de mielina dos nossos neurônios são comprometidas), a Esclerose Múltipla é uma doença rara, e o número reduzido de pessoas portadoras da doença que apresentaram também a COVID-19 torna difícil estabelecer uma base sólida sobre como a doença em si e a imunoterapia se relacionam (ou não) com o risco e progressão da infecção pelo novo coronavírus.
Uma das preocupações envolvendo a doença e a COVID-19, é o fato de os imunossupressores utilizados no tratamento tornarem as pessoas com Esclerose Múltipla mais suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2.
O aspecto positivo é que os relatos de casos e as revisões feitas sobre eles não apontam aumento em desfechos negativos, como complicações graves e mortes quando há a presença da Esclerose Múltipla ou o uso de terapias modificadoras de doença como variável.
Nesse contexto, a ABEM estabeleceu as seguintes diretrizes para pacientes portadores de Esclerose Múltipla durante a pandemia de COVID-19:
- As pessoas com Esclerose Múltipla atualmente em tratamento devem continuar com o seu tratamento;
- As pessoas que desenvolverem sintomas de COVID-19 ou apresentarem resultado positivo para a infecção, devem discutir suas terapias para a Esclerose Múltipla com seu médico ou outro profissional de saúde familiarizado com seus cuidados;
- Antes de iniciar qualquer novo tratamento, as pessoas com Esclerose Múltipla devem discutir com seu profissional de saúde qual terapia é a melhor escolha para seu curso e atividade da doença, tendo em vista o risco de COVID-19 na região.
Acolher pessoas com essa doença é muito importante em qualquer contexto, inclusive no que vivemos agora. Seja você um profissional da saúde, um familiar, um amigo ou um cuidador, ouça sempre a pessoa com Esclerose Múltipla e se informe sobre como ajudá-la em seu processo de lidar com uma doença de longo prazo. E caso você seja um portador da doença, saiba que o contexto da pandemia não deve ser um dificultador da sua rotina. Agora é hora de continuar suas atividades (adaptadas conforme a necessidade devido às novas medidas de segurança) e se proteger com muita cautela contra o coronavírus.
Por último, é importante que todos tenham em mente e sigam as recomendações de higiene:
- Lavar as mãos com frequência com água e sabão ou utilizar álcool 70%;
- Evitar tocar nos olhos, nariz e boca;
- Manter pelo menos 1,5 m de distância entre você e os outros;
- Ao tossir e espirrar, cobrir a boca e o nariz;
- Higienizar as compras de mercado com água e sabão ou álcool 70%;
- Usar o transporte público apenas quando necessário;
- Evitar aglomerações.
Referências
ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Doenças de Hipersensibilidade. In: ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia Celular e Molecular. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019. cap. 19, p. 417-434.
ABEM – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. Conselho global COVID-19 para pessoas com EM. In: ABEM – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. Http://abem.org.br/. 17 mar. 2020. Disponível em: http://abem.org.br/27253-2/. Acesso em: 10 ago. 2020.
AMOR, Sandra et al. SARS‐CoV ‐2 and Multiple Sclerosis: Not All Immune Depleting DMTs are Equal or Bad. Annals of Neurology, 8 maio 2020. DOI 10.1002/ana.25770. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ana.25770. Acesso em: 10 ago. 2020.
ARMSTRONG, April W.; ARMSTRONG, Ehrin J.; KLICKSTEIN, Lloyd B. Parte 06 – Princípios da Inflamação e Farmacologia Imune: Farmacologia da Imunossupressão. In: GOLAN, David E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. cap. 45, p. 793-810.
BLUMENFELD, Hal. Corticospinal Tract and Other Motor Pathways. In: BLUMENFELD, Hal. Neuroanatomy through Clinical Cases. 2. ed. Massachusetts, EUA: Sinauer Associates, 2010. cap. 6, p. 223-274.
BROWNLEE, Wallace et al. Treating multiple sclerosis and neuromyelitis optica spectrum disorder during the COVID-19 pandemic. Neurology, 2 jun. 2020. DOI 10.1212/WNL.0000000000009507. Disponível em: https://n.neurology.org/content/94/22/949. Acesso em: 10 ago. 2020.
GIOVANNONI, Gavin et al. The COVID-19 pandemic and the use of MS disease-modifying therapies. Multiple Sclerosis and Related Disorders , 5 abr. 2020. DOI 10.1016/j.msard.2020.102073. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2211034820301498. Acesso em: 11 ago. 2020.
MÖHN, Nora et al. Implications of COVID-19 Outbreak on Immune Therapies in Multiple Sclerosis Patients—Lessons Learned From SARS and MERS. Frontiers in Immunology, 12 maio 2020. DOI 10.3389/fimmu.2020.01059. Disponível em: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fimmu.2020.01059/full. Acesso em: 10 ago. 2020.
NOVI, Giovanni et al. COVID-19 in a MS patient treated with ocrelizumab does immunosuppression have a protective role?. Multiple Sclerosis and Related Disorders, 9 jul. 2020. DOI 10.1016/j.msard.2020.102120. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2211034820301978. Acesso em: 10 ago. 2020.
ROBERTSON, N.P.; WILLIS, M.D. Multiple sclerosis and the risk of infection: considerations in the threat of the novel coronavirus, COVID‑19/SARS‑CoV‑2. Journal of Neurology, 17 abr. 2020. DOI 10.1007/s00415-020-09822-3. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s00415-020-09822-3#citeas. Acesso em: 9 ago. 2020.
VALENCIA-SANCHEZ, Cristina; WINGERCHUK, Dean M. A fine balance: Immunosuppression and immunotherapy in a patient with multiple sclerosis and COVID-19. Multiple Sclerosis and Related Disorders, 7 maio 2020. DOI 10.1016/j.msard.2020.102182. Disponível em: https://www.msard-journal.com/article/S2211-0348(20)30258-3/fulltext. Acesso em: 9 ago. 2020.
Autores:
Abraão Golfet de Souza
Aline Augusto de Carvalho
João Pedro de Barros Fernandes Gaion
Revisores de conteúdo:
Prof. Matheus Fernando Manzolli Ballestero
Prof. Francisco de Assis Carvalho do Vale
Créditos da imagem: Robina Weermeijer no Unsplash
Veja também: